terça-feira, 19 de abril de 2016

MODELO ESGOTADO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 19/04/2016 - A251

A acachapante vitória da abertura do processo de impeachment evidenciou o esgotamento do poder petista. O voto do deputado Bruno Araújo selou a queda de um sistema exaurido. As justificativas dos oposicionistas ao governo deixou clara a existência de um clima de demonização em relação ao partido dos trabalhadores. Mais do que isso, mostrou a falta de habilidade da presidente Dilma na condução das articulações políticas e no relacionamento com as demais instituições republicanas. A arrogância destemperada pode ter sido a causa germinal de tanto descontentamento na casa legislativa. Como bem disse o Deputado Irmão Lázaro, a soberba precede a queda.

Curiosamente, foi possível traçar um paralelo entre os movimentos das ruas e o comportamento dos deputados na histórica votação de domingo. Os insatisfeitos com o governo saíram às ruas para protestar espontaneamente, ao passo que a massa de camisas-vermelhas foi arrastada por várias entidades simpáticas à causa petista. Sem o patrocínio de tais entidades e sem gordos sanduíches de mortadela, provavelmente não haveria uma só manifestação pró-governo. Na sessão legislativa foi possível observar a espontaneidade daqueles que votaram pelo afastamento da presidente, ao passo que os antagonistas não se mostraram tão convictos das suas posições. Até os mais exaltados na defesa do governo externavam sinais de que faziam a escolha errada. Outra observação curiosa estava na segurança e na vontade de quem votava por um Brasil melhor; de quem votava pelos filhos, família, nação etc. Ou seja, essas pessoas apelaram pelos valores mais sagrados para justificar seus posicionamentos, enquanto que os petistas se recusaram a evocar seus familiares para justificar o apoio ao governo, preferindo o clichê repetitivo dos discursos cacofônicos.

O fato é que essa primeira e importante etapa foi cumprida pela câmara dos deputados. Há de se reconhecer o empenho e dedicação do parlamentar Eduardo Cunha, sua maestria e sangue frio na condução de todo o processo. Não fossem as rusgas com o Executivo, poder-se-ia ter um resultado bem diferente. Mas a presidente Dilma preferiu o confronto e com isso acabou pagando caro. Estranhamente, muita gente indignada com as manobras do Cunha para fugir do processo no Conselho de Ética está agora feliz com a manutenção do mandato do presidente da câmara dos deputados. O “meu malvado favorito” acabou atendendo aos anseios de milhões de brasileiros cansados do PT.

Agora, a bola está com o Senado, onde um ritual complexo e demorado deverá ser cumprido até o afastamento da chefa do executivo federal. Resta saber se o comandante da casa conduzirá o processo com a mesma presteza do deputado Eduardo Cunha. Será preciso então uma forte mobilização do povo brasileiro para repetir o resultado de domingo. O risco está no pequeno grupo de votantes e o quão vulnerável estará esse pessoal às investidas do Executivo. Daí, a urgente necessidade de vigiar os passos dos senadores para evitar que eles sejam abduzidos em quartos de hotéis ou em reuniões na calada da noite.

De qualquer forma, um importante e vital recado foi transmitido aos políticos em geral. A pressão popular foi maior do que o fortíssimo peso de quem tem a caneta na mão. Sabe-se que o sistema orçamentário e fiscal concentra um imenso poder no Executivo Federal, tornando prefeitos e governadores reféns de um perverso sistema imperial. Os impostos ficam quase que totalmente em Brasília, onde é utilizado como mecanismo de adestramento dos congressistas. O poder do dinheiro é avassalador, que, para ser vencido, precisa de uma força muito maior. Foi isso que aconteceu domingo passado. Só mesmo uma gestão desastrada para perder aquela votação.

Os discursos antes de cada votação pelo impeachment, mesmo que demagógicos, deixaram claro a necessidade de uma profunda revisão do nosso sistema político. Curiosamente, os deputados se mostraram antenados com os anseios da população. Portanto, há de se questionar então o motivo da manutenção de uma crise que paralisa o país sem que haja sinais de reação dos agentes públicos. De qualquer forma, os poderosos efeitos do tão emblemático e histórico 17 de abril já estão repercutindo na alma do povo e dos políticos em geral. 



quinta-feira, 7 de abril de 2016

ARMADILHAS DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 05/04/2016 - A250

O ente público não é digno de confiança. É menos arriscado prestar serviços para um traficante do que para uma prefeitura. Negociar com o poder público exige preparação e um complexo aprendizado sobre o funcionamento dos mecanismos da máquina estatal. É preciso adicionar ao custo do serviço as propinas, os atrasos e os diversos eventos atravancadores da liberação do dinheiro. A operação Lava Jato vem desnudando a podridão existente nas ações administrativas dos gestores públicos. Esse comportamento ardiloso é intensificado na legislação tributária – cada palavra da lei esconde uma intenção maliciosa. O objetivo é sempre criar um ambiente de obscuridade capaz de deixar o contribuinte totalmente desorientado. O empresariado acaba por contribuir com esse estado calamitoso de coisas, uma vez que não costuma se interessar por assuntos burocráticos. Essa inércia escancara as porteiras do bom senso deixando o fisco avançar livremente sobre bolso de quem trabalha e produz a riqueza da nação.

Um caso mais do que emblemático a se considerar é a legislação do ICMS substituição tributária. Lá, nos primórdios, o nascimento de um imposto qualquer era consequência de um ganho. Ou seja, era preciso, antes, ganhar, para depois pagar. Mais a frente, esse “ganhar” foi substituído pelo “vender”. E claro, óbvio, venda não é sinônimo de dinheiro em caixa. Por esse motivo, muitas vezes pagava-se sem ter dinheiro para tal. Mas não satisfeito, o fisco foi além. Veio então a ideia de pagar sem ao menos ter vendido. O governo passou obrigar o contribuinte a pagar imposto sobre uma base inexistente. Era a substituição tributária. De início, houve uma violenta reação à tamanha insanidade. Mas, na lábia, comendo pelas beiradas e se valendo de contorcionismos retóricos, o governo conseguiu queimar o lombo do contribuinte com um ferrete incandescente. No começo doeu bastante, mas de tanto levar ferro o empresário acabou se acostumando com o abuso. Mas nunca engoliu o desaforo.

O argumento central da substituição tributária consistia na dificuldade de fiscalização no varejo, concentrando assim a cobrança na indústria. A lista de produtos alcançados pelo sistema era bem restrita. Foi com muito xaveco ao pé do ouvido que o empresário caiu na cantada. E depois de colocar a coisa direitinho, o governo deu o bote com uma imensa lista de produtos a enfiar goela abaixo do contribuinte. Mais a frente, perverteu o próprio sistema da substituição tributária ao extinguir a figura do substituto, mas mantendo o mecanismo de cobrança com a malfadada ST interna. Daí pra frente todos os esforços foram concentrados na transformação desse sistema num enrosco normativo impenetrável e indecifrável. As empresas mergulharam num inferno burocrático repleto de óleo fervente e de muitas chicotadas com arame farpado.

O interminável e confuso jogo de interesses presente nas reuniões do Confaz resultou num emaranhado de sobreposições e conflitos de regras, além do detalhamento minucioso de situações e enquadramentos de uma variedade infinita de mercadorias. Por exemplo, mamadeiras e produtos de toucador são mencionados numa sequência exaustiva de classificações e subclassificações que parece não ter fim. Os produtos se repetem, se repetem, em inúmeras regras de enquadramento. Coisa de doido. Ou de gente mal intencionada.

Como desgraça pouca é bobagem, até outubro de 2010 o contribuinte poderia compensar a duplicidade de cobrança do ICMS na sua escrituração fiscal. Essa duplicidade acontece quando um produto ST é vendido para fora do estado. O Decreto 30486/2010 acabou, na prática, com esse direito de compensação. Explica-se. A partir de então as empresas ficaram dependentes da autorização da Sefaz para fazer a tal compensação. E, claro, no frigir dos ovos, a SEFAZ nunca dá essa compensação. Pelo menos é essa a leitura feita pelo contribuinte. Por isso é que poucas empresas se prestam a solicitar compensação pela duplicidade de pagamento de ICMS. Há casos de distribuidoras que sobretaxam suas mercadorias ST nas vendas para fora do Amazonas. Elas sabem que o melhor a fazer é cobrar a duplicidade tributária do cliente, pois são convictas da inviabilidade de resgatar da SEFAZ o imposto cobrado em dobro.

As regras de ressarcimento elencadas no artigo 115 do RICMSAM são impraticáveis. A burocracia envolvida nesse processo é tamanha que alguns dos menores processos chegam a mais de 700 páginas de cópias de documentos, planilhas, demonstrativos etc. O tempo necessário para elaboração do calhamaço de todas as operações passíveis de ressarcimento é gigantesco. Gigantesco também é o tempo que o funcionário da SEFAZ gasta para analisar uma montanha de processos recheados de detalhamentos. Portanto, está mais do que clara a intenção embusteira do legislador. Fica evidente, também, o propósito da SEFAZ de garantir uma receita extra de ICMS cobrado em dobro. A SEFAZ criou uma regra impraticável que resultou numa receita formidável, já que nunca devolve nada. Esse tipo de política doentia restringe a ação dos agentes econômicos, impedindo a entrada de dinheiro no Amazonas, uma vez que muita gente se recusa a vender mercadorias ST para fora do estado, pois sabe que lutar por seus direitos constitucionais é o mesmo que dar murro em ponta de faca.

A nossa Carta Magna é constantemente desrespeitada. A Emenda Constitucional número 3 “assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido da substituição tributária” Pois é. “imediata”, para a SEFAZ é de no mínimo um ano. É esse o prazo que a SEFAZ diz na lata do contribuinte quando ele dá entrada num pedido de restituição do ICMS pago em dobro. Alguns processos rolam por anos sem resposta.

Se a classe dos comerciantes tivesse um pouco de interesse por “assuntos burocráticos” eles bem que poderiam se unir em torno de uma luta para derrubar o dito Decreto 30486, garantindo assim o cumprimento das disposições contidas na EC3. Mas a SEFAZ conhece bem a passividade do seu contribuinte. Por isso ela deita e rola por cima das arbitrariedades e das ilegalidades. Tantos rebuliços evidenciam o nosso rarefeito senso de cidadania e a fragilidade das nossas quebradiças instituições legalmente constituídas.