terça-feira, 31 de dezembro de 2019

IPTU DO ESTOQUE DE MERCADORIAS



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  24 / 12 / 2019 - A385

Quando a empresa desconta imposto de renda do empregado ou efetua retenções tributárias de um prestador de serviços, ela deve repassar os valores ao erário. Ponto final. O mesmo acontece com o substituto tributário do ICMS que acrescenta o imposto ao total da nota fiscal. Nesses casos, a empresa opera como um simples entreposto (contribuinte de direito); sua função é conectar o Fisco ao “contribuinte de fato”. Os recursos em questão passam ao largo das atividades operacionais e por tal motivo o não recolhimento fica indiscutivelmente caracterizado como crime de apropriação indébita. Assim deveria acontecer com qualquer tipo de tributo indireto, o que reduziria drasticamente a sonegação fiscal.

ICMS, Pis e Cofins, teoricamente, são tributos retidos do comprador e posteriormente repassados ao erário. Teoricamente. Na prática, a coisa toda é muito complicada. Esse trio parada-dura não é retido no momento da venda nem calculado sobre o valor da mercadoria, mas os três são trabalhados como elementos formadores do preço, que é base de tudo. Sobre o preço final se aplica a alíquota do ICMS; também, do Pis e da Cofins, fazendo com que suas cargas efetivas fiquem muito acima daquilo que consta nas respectivas normatizações legais. Acontece que, muito raramente, esse arranjo metodológico é adotado na sua plenitude, porque o mercado impõe uma conduta estabelecida pelos sonegadores. Por exemplo, um grande distribuidor de bebidas manauara faliu porque insistiu na aplicação dessa dita metodologia. Consequentemente, seus preços ficaram muito acima da concorrência, que não fazia a mesma coisa.

Os preços constantes em meio mundo de produtos espalhados por inúmeras empresas não carregam completamente os percentuais de ICMS, Pis e Cofins ditados pela legislação, mas os documentos fiscais atestam legalmente que a retenção foi efetivada, o que contraria a realidade dos fatos. Isso significa que, por exemplo, o percentual de 18% destacado na nota fiscal nem sempre é retirado do bolso do cliente. O problema é que a emissão da nota está amarrada à presunção legal da retenção; uma coisa é indissociável da outra. Com isso, a Sefaz se dá o direito de utilizar a força policial para invadir o estabelecimento, prender o contribuinte e pilhar o seu patrimônio. Para evitar toda essa tragédia grega, o vendedor deve repassar ao Fisco aquilo que não foi retido, fazendo com que os custos fiquem bem acima da receita. Nesse caso, o agente fazendário não resgata um valor retido do comprador e sim, arranca um pedaço do patrimônio da empresa. O ICMS, portanto, deixa de ser um tributo sobre consumo e passa a ser um imposto sobre patrimônio; uma espécie de IPTU do estoque.

O sistema de impostos “por dentro” é um jogo diabólico, onde as empresas são pressionadas, de um lado, pela Sefaz e do outro, pelo mercado. A dupla Sefaz/RFB não dispõe de estrutura mínima suficiente para garantir que os tributos sejam corretamente embutidos nos valores das mercadorias. Mesmo porque, não há como tornar público a formação de preços. Até mesmo grandes distribuidoras se veem obrigadas a fazer promoções agressivas de mercadorias com validade curta, o que desmantela totalmente a idealizada formação de preço. Tais perversidades escarnecedoras de mercado, teoricamente, não acontecem no setor de combustíveis porque a tributação da venda final ocorre na refinaria, obrigando todo mundo a pagar a mesma carga tributária. O regime do ICMS substituição tributária, apesar de polêmico, tem o pendor de uniformizar as condições de concorrência.

Diante dum imbróglio extremamente enroscado no cipoal de normas conflituosas, fica impossível criminalizar o inadimplemento do recolhimento do ICMS declarado. Em face dum suposto inquérito policial, a prova cabal de apropriação indébita não se daria pela simples declaração impressa na nota fiscal e sim, pela comparação dos custos com a venda efetivada.

Vigorou no estado do Acre até 2015 um excepcional sistema de cobrança de ICMS que prevenia distorções de concorrência: Todas as mercadorias ingressadas no território acreano pagavam ICMS substituição tributária, o que deixava o mercado livre para trabalhar sem aporrinhações fiscais estaduais. Tudo ficava perfeito quando Pis Cofins eram monofásicos ou isentos.

O conjunto de fatores aqui descritos deveria provocar um levante do empresariado para acabar com a cobrança dos tributos “por dentro”. Mas não se observa nenhuma reação enérgica que dê uma chacoalhada nos poderes constituídos. Vamos esperar então a lista de prisioneiros. Curta e siga @doutorimposto

































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