Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 24 / 12 / 2019 - A384
O nosso chafurdo tributário possui uma gênese primordial, que é a seguinte: O rico não quer pagar imposto. Nos países de democracia forte, as instituições são menos suscetíveis a manipulações do poder econômico (o que não ocorre por aqui). Impera nos países membros da OCDE a progressividade tributária. Por outro lado, as instituições públicas brasileiras são pressionadas, achincalhadas, reviradas pelo avesso etc. Tudo é muito frágil no Brasil; o poder econômico manda e desmanda no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, os quais são paus-mandados das eminências pardas que manipulam a legalidade nos bastidores. Todo esse chafurdo, depois de processado, pasteurizado e embalado à vácuo, resulta na nossa ostensiva e perversa regressividade tributária. Pode-se observar claramente nos projetos de reforma tributária em discussão no Legislativo que eles mencionam somente tributos sobre consumo. A PEC45, por exemplo, pretende aumentar o ISS de 5% para 25%. O governo federal queria ressuscitar a CPMF e agora luta pela tributação de transações digitais (que é uma CPMF disfarçada). Ninguém apresenta um projeto de combate à regressividade; em vez disso, os “especialistas” estão buscando o Santo Graal que promova uma mudança de forma que tudo continue como está. Inclusive, as autoridades públicas dizem claramente que o aumento do imposto de renda vai afugentar empresas e investidores ou então que o rico não aceita pagar imposto de renda sobre dividendos.
Um estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP) aponta que os mais altos rendimentos do Brasil são tributados com alíquota efetiva de apenas 7% (IR). Isso acontece pelas deformações normativas da legislação que faz a alegria dos planejadores tributários.
Pois bem. Já que o rico não paga, é preciso ir atrás dos pobres. É preciso taxar o consumo com pesadíssimas cargas tributárias. Por exemplo: O videogame possui uma carga de 257%; perfume, 376%; vodca, 455% quando o cálculo é “por fora”. Mas, claro, uma carga desse tamanho é mais do que suficiente para incitar uma convulsão social. Daí, que, para evitar uma catástrofe institucional, a dupla Sefaz/RFB resolveu esconder essa brutalidade do consumidor, pela instituição da tributação “por dentro”. Tal mecanismo injeta ICMS, Pis e Cofins na composição do preço da mercadoria. Além de ocultar a carga do consumidor, esse procedimento matemático faz com que o próprio imposto seja base dele mesmo e dos outros dois – ICMS, Pis e Cofins são base do ICMS; ICMS, Pis e Cofins são base do Pis; ICMS, Pis e Cofins são base da Cofins. Para encaroçar mais ainda esse angu, a carga de cada um deles vai muito além da nominal. No regime do Lucro Real, a carga efetiva do ICMS não é 18% e sim 24,74%; o Pis não é 1,65% e sim 2,27%; a Cofins não é 7,6% e sim 10,45%. Nesse jogo de escamoteamento matemático, a carga efetiva total fica 10,21% maior do que a nominal quando se calcula os tributos “por fora”. A metodologia de cálculo “por dentro” mascara a real carga porque a Sefaz/RFB obriga o comerciante a vender imposto como se fosse produto. O preço da etiqueta não distingue uma coisa da outra, e, com isso, a forma que os institutos oficiais identificam a carga é totalmente fraudulenta porque comparam uma parte com o todo. Esses institutos não separam uma coisa da outra antes de fazer uma relação percentual. Esse tipo de malandragem não acontece nos EUA nem na Europa porque tanto o cidadão norte americano quanto o cidadão europeu enxerga uma coisa separada da outra e assim o imposto não é base dele mesmo. É bom lembrar que nesses países desenvolvidos só existe um imposto sobre consumo.
Resumo da ópera: O fisco brasileiro entranhou profundamente o ICMS nas operações da empresa, de modo a tornar o processo de apuração extremamente complexo. Daí, a dificuldade de caracterização de apropriação indébita pela ótica penal. Tal dificuldade não acontece na retenção do ICMS substituição tributária pelo substituto porque o imposto retido é totalmente separado das operações da empresa, não havendo argumento plausível que justifique a inadimplência porque o dinheiro não é dela. Tanto é verdade, que o artigo 390 do RICMSAM aponta “ação criminal cabível” à falta de pagamento. Além do mais, a Sefaz criou uma infinidade de modalidades de ICMS com regras indecifráveis, significando assim que qualquer empresa que tente cumprir vírgula por vírgula da legislação amazonense, simplesmente não vai conseguir porque ninguém é capaz de destrinchar o cipoal normativo.
Portanto, o empresariado deve se unir e aceitar a criminalização da inadimplência somente se o cálculo do ICMS for “por fora”, tal qual ocorre no IPI e na retenção de ST pelo substituto. Em outras palavras, o Fisco só pode punir depois de saneado o chafurdo normativo hoje existente. Mas, claro, sabemos que a dupla Sefaz/RFB abomina a ideia de tornar público as cargas tributárias dos produtos consumidos pela população. Por isso, estamos num impasse. Curta e siga @doutorimposto
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