Publicado no Jornal do Commercio em 23/07/2009 – A019
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O tradicional conceito diz que contabilidade é a ciência com metodologia especialmente concebida para cumprir as funções de registro, controle e interpretação dos fenômenos que afetam o patrimônio das organizações. Ou seja, cabe ao contador interpretar os eventos patrimoniais, efetuar os registros, analisá-los e preparar uma série de relatórios que demonstrem o desempenho das organizações num período específico. Essa prática artesanal perdurou por muitas gerações de contadores onde os mesmos eram tidos como alquimistas dos números – aqueles que tinham o poder de transformar prejuízo em lucro, e vice-versa. Livros mágicos e formulações incompreensíveis guardavam operações mirabolantes convertendo o seu artífice em um poço de segredos inconfessáveis. Assim, o sacerdote das organizações reinou impávido sob o guarda-chuva tecnicista por muitos e muitos anos.
A revolução das relações comerciais e da tecnologia elevou as operações de muitas empresas a um grau altíssimo de complexidade. E nesse contexto não coube mais o emérito e empoeirado contador com sua viseira e seus livrões medievais. Nesse cenário a informação foi desembargada e a contabilidade saiu das sombras juntamente com o contador. Os processos operacionais passaram a ser evidenciados com clareza e a metodologia contábil virou objeto de intensa discussão por parte de uma gama de entidades ao redor do mundo. A ciência do registro passou a ser a ciência do esclarecimento e o administrador deixou de ser o agente passivo, passando a contribuir sobremaneira no aprimoramento do pensamento contábil. Por sua vez, o contador incorporou atribuições de um gestor de alto nível de responsabilidade e competência técnica, abraçando outras áreas do conhecimento, como administração, economia, tecnologia da informação etc.
Os avanços exponenciais da tecnologia da informação impactaram violentamente a prática contábil. Primeiramente, o contador foi poupado do esforço estafante de calcular blocos e mais blocos de arranjos numéricos, mas ainda assim continuou classificando e inserindo os dados manualmente no computador. Em seguida, estruturas flexíveis permitiram a modelagem de leiautes e relatórios, além de mecanismos voltados para mitigação de erros. A alimentação do sistema continuava manual, sendo que a análise passou a ganhar uma importância maior devido à alta plasticidade da informação, que nas mãos do contador passou a ser modelada de acordo com a conveniência do momento. O passo seguinte foi a popularização dos fenomenais sistemas ERP (Enterprise Resource Planning) com seu ousado propósito de automatização total de todos os processos organizacionais.
Na maratona contábil os sistemas de gestão ERP cruzaram a linha de chegada, mas a maioria esmagadora de contadores ainda está correndo contra o tempo e muitos ficaram pelo caminho. Essa nova realidade põe em cheque o modelo tradicional de contabilidade. A engenharia da informação alcançou o mais alto posto que uma atividade de assessoria à gestão poderia alcançar. Agora, a área de TI só está subordinada ao mais alto executivo de uma organização. Os administradores de TI não estão capacitados para gerenciar a informação e os contadores não são preparados para utilizar os modernos instrumentos da tecnologia da informação. Entra em cena o controller, que mesmo sendo um super contador continua posicionado no organograma abaixo do administrador de TI.
Uma empresa que consiga atingir níveis extremos de automatização dos seus processos de forma que sejam dispensadas até a atividade de análise das informações produzidas nas suas diversas áreas, pode questionar o seguinte: Qual é mesmo o papel do nosso contador? Pode até ser que não exista uma situação tão extremada, mas é fato que departamentos inteiros foram devastados pelo furacão ERP. Há casos de empresas com várias mesas vazias e salas onde funcionavam departamentos administrativos sendo usadas como depósito. Mesmo assim ainda existem empresas de grande expressão regional e nacional apinhadas de funcionários burocráticos.
No momento em que o contador não precisar mais registrar nem analisar lançamentos contábeis, ele terá a chance de recuperar os dons sagrados perdidos lá atrás. Será preciso repensar profundamente suas atribuições e competências. Será que contador e administrador se transformarão em uma única pessoa?
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