O Brasil é um país marcado por solavancos, rupturas, paradoxos etc. Enquanto os Estados Unidos da América possuem mais de 200 anos de democracia ininterrupta, nós ainda não chegamos aos 30. Ou seja, em comparação aos norte-americanos, nossas instituições democráticas situam-se na tenra infância, engatinhando pra cá e pra lá. E quando se arriscam a caminhar acabam tropeçando nas próprias pernas. Por conseguinte, a área do nosso cérebro que abriga o senso de cidadania ainda está em um tortuoso processo de desenvolvimento, onde são perceptíveis alguns sintomas de atrofiamento. Talvez esse estado de coisas esteja relacionado à dificuldade que as pessoas têm para compreender o seu papel no teatro social. Não só o seu, mas o papel dos outros entes, com destaque para as entidades públicas. Assim, apesar de tanto se ouvir falar de cidadania, na prática ela parece não ter uma forma clara e definida para todo mundo. Esse fenômeno ocorre em todos os estratos sociais. Nosso governo, claro, sempre procurou tirar proveito da destemperança desse caldo insosso, pintando, bordando e tripudiando sobre a ignorância do povo. Prova disso são as gritantes e recorrentes afrontas ao estado de direito via publicação de normas legais que sobrepujam legislações superiores.
A nossa onipotente receita federal tem um jeito peculiar de interpretar a legislação. Na realidade, não é bem “um jeito” e sim uma forma arbitrária, tirânica e enviesada de trabalhar. A postura da receita federal sempre foi carregada de uma abrutalhada arrogância. Ela simplesmente faz e tá feito e fim de conversa, não deixando um milímetro de margem para contestação; ela procura se posicionar acima de qualquer tribunal. Por esses motivos temos muito que comemorar, visto que na semana passada o STJ trincou um pouco esse potentado da receita federal, quando decidiu que as vendas internas na Zona Franca de Manaus são isentas da cobrança de PIS/COFINS – dois tributos que simplesmente não deveriam existir.
A intenção do legislador, expressa no Decreto-Lei 288/1967, era criar condições favoráveis ao desenvolvimento da Amazônia, uma região inóspita, mas de alto valor estratégico para o país. As preocupações com a ocupação da Amazônia são antigas e já no governo JK foi editada uma lei criando a zona franca de Manaus. Todos nós sabemos das imensas dificuldades de operar aqui na nossa região, principalmente no aspecto logístico. Daí, que é preciso haver vantagens significantes para atrair investidores de grande porte. No que diz respeito ao PIS/COFINS, poucos são plenamente beneficiados, como por exemplo, as empresas de bens intermediários. A maioria acaba sendo enquadrada em dispositivos legais feitos sob medida para abocanhar expressiva parte da riqueza que alimenta esse nosso rincão nortista, o que contraria as boas intenções do supracitado Decreto-Lei.
A aplicação enviesada dos incentivos tributários na ZFM resultou em situações rocambolescas, que no caso das empresas comerciais, o beneficiário fiscal, muitas vezes, é o fornecedor de mercadorias situado em São Paulo, Paraná etc. que se recusa a dar o desconto financeiro referente à desoneração do tributo ou o faz de forma enganosa. Enquanto isso, aqui, o nosso comerciante está impedido de aproveitar crédito de PIS/COFINS, tendo que arcar com um peso tributário de 9,25% sobre sua receita. Isso, sem contar as cargas tributárias de ICMS, IRPJ, CSLL etc. Para piorar um pouco mais, as mercadorias adquiridas das indústrias situadas no PIM só permitem aproveitamento de 5,6% de crédito de PIS/COFINS. Uma empresa comercial localizada em Belém/PA, por exemplo, tem bem menos problemas na administração desses dois tributos.
Quanto à manifestação do STJ, a posição de alguns advogados é que a decisão somente se aplica à Samsung do Brasil Ltda. Só, que de acordo com a avaliação subjetiva de um dos mais respeitados tributaristas do país, à priori, a decisão é extensível a todas as empresas da nossa região. Dessa forma, a prudência recomenda aguardar a publicação do Acórdão, que ocorrerá em uma ou duas semanas, quando será possível avaliar os efeitos e o alcance dessa decisão histórica.
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