Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27/08/2013 - A135
Ao
longo da história humana os tributos sempre tiveram um caráter punitivo do
opressor que vencia o oprimido no campo de batalha. O tributo é uma penalidade
de guerra, corporificado na pilhagem dos povos dizimados pela espada. Ou seja, é
o símbolo maior do fracassado que tomba frente a seu algoz. Assim, o vencedor
arrancava do vencido tudo que de valor pudesse ser levado para o senhor dos
exércitos. Na idade média os servos eram obrigados pelo fio da espada a pagar
uma série de tributos, tais como corveia, talha, banalidade, capitação, dízimo,
censo, taxa de justiça, formariage, mão morta, albergagem etc. A opressão era
tão grande que até a noite de núpcias do oprimido recém-casado era de
propriedade do nobre opressor que devolvia a esposa estuprada ao servo mantido
no regime semelhante ao da escravidão. Aqui, no Brasil, até o século XIX, havia
uma exploração maciça da metrópole portuguesa que exigia uma determinada cota
de ouro independentemente das condições de exaustão das minas. Caso essa cota
não fosse cumprida os soldados invadiam as propriedades e confiscavam os bens
dos habitantes da colônia. O colonizador tinha o poder militar de invadir, confiscar
e matar quem quisesse e por isso podia cobrar tributos da forma que bem
entendesse, cabendo ao colonizado (que era proibido de se defender) pagar tudo
que lhe fosse exigido.
O
caráter de dominação tão sinonímico do tributo foi um pouco amenizado já no
século XX através do ideário do estado do bem estar social, onde se disseminou
o conceito de distribuição da riqueza através dos serviços públicos. Na
realidade, isso aconteceu para manter viva a aura tenebrosa que envolve os
tributos, mas de forma que a pílula amarga recebesse uma leve camada de açúcar.
Interessante, é que os governos conseguiram o que queriam sem provocar uma
convulsão social. Em alguns países europeus os tributos foram de fato
convertidos em benefícios para a sociedade. Já no Brasil isso ficou só na
retórica demagógica. Aqui, em terras tupiniquins, o governo conseguiu
perseverar o que de mais sombrio e atroz se esconde sob o manto legal dos
tributos. Até hoje a população que produz a riqueza desse país sente na carne
toda a essência maldita que os tributos acumularam ao logo de séculos e séculos
da história da exploração humana.
Aqui
no Brasil o governo impõe uma política tributária tão massacrante que nem os
exploradores da metrópole portuguesa tiveram coragem de impor à colônia
brasileira. Hoje, simplesmente, pagamos o dobro de tributos que o povo
colonizado lá do século XIX pagava. Na época, se achava um absurdo enviar 20%
da riqueza produzida para o governo opressor, fato tão ofensivo que desencadeou
o processo de independência do Brasil. Hoje, o nosso governo democrático
arranca na marra, através da força policial, 40% de tudo que produzimos. E lá,
do seu castelo, o governo ameaça com cadeia quem não paga o que ele exige.
O
que de mais insano existe no sistema tributário brasileiro é que o nosso
democrático governo despeja uma avalanche de normas fiscais tão transloucadas
que apavora até o mais experiente tributarista estrangeiro que aqui desembarca.
Isso, fora o peso esmagador dos tributos que arranca tudo do “contribuinte” até
matá-lo de inanição. Está cada dia mais evidente que o propósito do governo é
matar o maior número de empreendimentos possível com a força dos seus fuzis e
metralhadoras que aportam nas empresas, prendem contadores e levam computadores
e documentos para averiguação. E tudo rigorosamente dentro da lei. Uma lei
também tão intrincada e tão cheia de labirintos que acaba no final protegendo
somente os bandidos de grosso calibre (os mensaleiros que o digam).
As
regras fiscais são tão impressionantemente impraticáveis que somente as
situações tributárias específicas de produtos que circulam no país passam de
dez milhões. Isso, fora as outras milhões de regras legais que as empresas são
obrigadas a cumprir. Quando uma só dessas milhões de regras tributárias não é rigorosamente
cumprida o governa baixa sua mão pesada sem dó nem piedade, onde processa,
prende, confisca, destrói empregos e deixa milhares de família na rua da
amargura. E o mais cruel é que muitas vezes os pesados impostos são pagos até o
último centavo, sendo que a implacável punição é decorrente de algum detalhe
burocrático, dentre milhões de normas legais, que não foi cumprido porque
ninguém entendeu o que a lei maluca quis dizer.
O
governo é implacável, é rápido, é impiedoso. Não pagou, não entregou o papel
carimbado, não se submeteu aos achaques do fiscal, não enviou o arquivo
eletrônico, a empresa é imediatamente impedida de trabalhar. A punição é rápida
e o governo, semelhante aos senhores da guerra lá do passado, vem com suas
armas a invadir a empresa e confiscar os bens de quem é proibido de se
defender. Se houver um erro entre duzentos mil registros contábeis corretos, a
punição é pesada, com multas, bloqueios, processos judiciais, ameaças etc.
Já
a contabilidade dos entes públicos, essa é uma esculhambação só. Enquanto o
conjunto das empresas de todo o Brasil é obrigado pela força das armas a
cumprir rigorosamente uma norma contábil padronizada imposta pelo governo, cada
ente público segue uma norma contábil própria, tão confusa e enigmática que os
gestores se sentem à vontade para fazer um carnaval nas contas públicas. Esses
mesmos gestores sabem que o rigor técnico legal de escrituração contábil só
existe para as empresas privadas.
A
publicação da Revista Exame (27/05/2013) mostra que o governo escondeu uma
Finlândia inteira no que ele chama de Contabilidade Criativa. Isto é, mais de
meio trilhão de reais em dívidas e gastos foram escondidos nas contas públicas.
O governo, tanto reconheceu a maquiagem contábil quanto deu justificativas
oficiais esfarrapadas para a manobra. Agora, imagine se a empresa privada faz uma
coisa dessas!! Seria o mesmo que atiçar uma casa de marimbondos. Ou seja, o
governo pode. As empresas, NÃO.
Assim
como os opressores do passado, o governo tem as armas, o governo tem o poder e,
portanto, é ele quem faz as regras. Dessa forma, os “contribuintes” pessoas
físicas e jurídicas são subjugados pela força das armas do governo, exatamente
como faziam os senhores feudais. Não seria de se estranhar se o governo passasse
a exigir também as núpcias dos recém-casados. Com tanta opressão, não estamos
muito longe disso.
O
governo pode tudo. O governo pode humilhar uma pessoa obrigada a recorrer aos
serviços públicos de péssima qualidade. O governo pode não pagar suas contas,
visto que não é passível de falência. O governante pode destruir a estrutura
financeira da sua administração tendo plena convicção de que não haverá nenhum
tipo efetivo de punição (tudo acaba em pizza). O governo pode não cumprir norma
contábil nenhuma da escrituração das contas públicas, simplesmente porque ele
não punirá a si próprio (quem administra, quem escritura, quem fiscaliza e quem
julga é o próprio governo). Afinal de contas, todo mundo é companheiro e todos
estão ali, lado a lado, mamando nas mesmas tetas como um bando de leitõezinhos
enfileirados.
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