terça-feira, 18 de março de 2014

A MORTE DA JUSTIÇA


















Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 18/03/2014 - A162

A edição da última terça-feira do Jornal Nacional mostrou o caso da cidade norte-americana que está ameaçada de desaparecer do mapa. A pequena Hampton ganhou notoriedade internacional depois das rumorosas suspeitas de corrupção que se abateram sobre a localidade. Os auditores do estado da Flórida detectaram uma série de irregularidades na administração municipal e por conta disso o legislativo estadual deu o prazo de um mês para que tudo fosse regularizado, sob pena da cidade ser anexada ao município vizinho. O prefeito está preso por tráfico de drogas.  O enredo dessa história segue uma trajetória comum com desfecho previsível. A coisa tem começo, meio e fim; com investigação ágil, decisões diretas, prefeito detido e município extinto. Simples, assim. Pelo menos para o cidadão estadunidense.  

O mais interessante nisso tudo é que um caso de corrupção envolvendo o equivalente a R$ 1,7 milhão se transformou numa epopeia planetária, enquanto que para nós, brasileiros, esse valor é um pingo de chuva, face ao dilúvio de casos sobre peculatos, mensalões, desmandos, malversações e dilapidações do patrimônio público que diariamente pipocam em tudo quanto é veículo midiático. Não há um só lugar que o cidadão brasileiro olhe que não encontre um caso de corrupção. Ao sair de casa para o trabalho, serão pelo menos umas 50 notícias sobre corrupção. Se for tomar um cafezinho na copa, tropeçará em mais 10 histórias envolvendo propina, desvio de verba etc. O bombardeio pesado acontece no início da noite com tudo quanto é canal de televisão mostrando uma cambada de engravatados se acusando uns aos outros de corrupto. Liga-se o computador e logo se percebe que o monitor é pequeno para a quantidade de corrupção que transborda dos noticiários on-line. E na hora de dormir o filhinho que mal aprendeu a falar pergunta por que os mensaleiros estão felizes da vida na capa da revista Veja.

O brasileiro tem estômago de avestruz. Todo dia, ao acordar, ele faz um tremendo esforço psicológico para não querer enxergar o que existe por baixo da capa que cobre um oceano de podridão. Essa resistente capa possui um forte colorido produzido pela televisão e suas histórias da carochinha: os assuntos giram em torno de dramas amorosos ou comédias preconceituosas. O objetivo é sempre entreter (entorpecer), de forma que não haja tempo para pensar ou refletir sobre o lamaçal cadavérico em que estão afundadas as nossas instituições legalmente constituídas. Essa dita capa, ou esse envernizado revestimento encouraçado, são os discursos, as declarações embusteiras, as manobras, as falácias, a politicagem, os marqueteiros, os ternos, as caras, os olhos que não piscam, as bocas que não tremem etc. Por isso é que apesar de estarmos há muito tempo em guerra civil devido ao apavorante avanço e domínio da criminalidade, as autoridades insistem na retórica da normalidade. A coisa está num nível tão alarmante que semana passada um grupo de 15 bandidos cortou a luz da cidade baiana de Macaúbas para atacar a polícia e explodir caixas eletrônicos.

A criminalidade desenfreada floresce no substrato da corrupção. Um estado corrupto jamais erradicará a criminalidade sistematizada. Se a sociedade quiser combater a epidemia da criminalidade, ela terá primeiro que atacar o câncer da corrupção. Ou morre os dois ou não morre nenhum.

A já imortalizada “tarde triste” tão melancolicamente relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa assombrou o Brasil pela crueza do seu significado. Naquela tarde o revestimento encouraçado foi rasgado como uma fratura exposta, onde, sem rodeios nem pudores cada um dos novatos mostrou a que veio. Naquele momento o povo brasileiro viu claramente as engrenagens sujas da nossa justiça e o que está por trás de cada decisão da mais alta corte da nação brasileira. Todo aquele palavreado rebuscado antes de cada voto é mera formalidade para cumprir um rito protocolar acertado de antemão. O Ministro Joaquim Barbosa desnudou o STF ao citar a “MAIORIA de circunstância formada SOB MEDIDA para lançar por terra todo um trabalho primoroso”. Para bom entendedor meia palavra basta.

O caso do mensalão aflorou o âmago das nossas instituições e mostrou que tudo é manipulável e tudo se amolda aos interesses do poder estabelecido. E isso aconteceu dentro das nossas casas, pela televisão, sem rodeios e sem artimanhas sofismáticas. Aquela gota desidratada de confiança que alguns esperançosos ainda nutriam pela justiça morreu naquela tarde triste. Ninguém agora confia em mais nada nesse país. E tudo quanto é matéria encaminhada ao STF terá seu desfecho previsível, principalmente se for objeto de alguma ameaça ao executivo. O pior de tudo é que se na alta corte aconteceu o que aconteceu, imagine as temeridades abomináveis que pautam as ações das instâncias inferiores. A cambaleante justiça recebeu o golpe de misericórdia e o crime organizado entendeu o recado. Seis indivíduos mataram o espírito de 200 milhões de incautos.



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