terça-feira, 23 de dezembro de 2014

INCURÁVEL VÍCIO DO JEITINHO

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Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 23/12/2014 - A195

O Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON) promoveu no último dia 11 um evento transmitido para todo o Brasil por videoconferência. O assunto tratado em cansativas explanações foi acompanhado por vários convidados no Conselho Regional de Contabilidade aqui de Manaus. Os mais ilustres e expoentes técnicos da Receita Federal se desdobraram na enfadonha tarefa de destrinchamento das disposições contidas na Instrução Normativa 1.515/2014, que disciplinam as alterações tributárias trazidas pela Lei 12.973/2014. E, claro, como era de se esperar, o que houve foi uma sequência de palavras e expressões pronunciadas com hesitação, gaguejos e falta de clareza. Isso, fora alguns momentos em que os melhores cérebros da RFB simplesmente não tinham resposta para questionamentos recebidos de contribuintes desorientados. Pode-se afirmar que o balanço geral de tanto esforço do Fisco só revelou o tamanho do abismo ainda existente entre a contabilidade societária e a contabilidade fiscal, sendo que a função dessa última é invalidar o propósito da primeira.

A discussão é antiga. Desde que a Lei 11.638/2007 promoveu acentuadas modificações na Lei 6.404/1976, o que temos vivenciado nos últimos anos é uma violenta instabilidade no sistema regulatório fisco/contábil. Ocorre que uma profusão de conceitos e interpretações explodiu nesse período, deixando toda uma classe de profissionais mais perdida do que cego em tiroteio. Isso ficou claro em dois painéis competentemente conduzidos por duas grandes auditorias internacionais no SESI da Bola da Suframa (10/06/2013 KPMG; 07/11/2013 EY), quando as regras ainda estavam sob os efeitos da MP 627/2013. Os palestrantes dessas auditorias demonstraram, à época, uma infinidade de furos e inconsistências no dispositivo legal em questão. Problemas, esses, que pelo visto, continuam até o momento.

Tantos infortúnios e solavancos podem nos fazer crer na impossibilidade de harmonização dos elementos imposto de renda versus contabilidade. Obviamente que isso é uma praga sem tamanho a comprometer seriamente qualquer esforço de fazer valer a técnica e os registros contábeis, uma vez que o elemento fiscal contamina o ambiente contábil por inteiro, da mesma forma que um enxame de moscas inferniza a vida do confeiteiro. O fantasma tributário é um encosto grudado no cangote do contador que fica o tempo todo lembrando que isso ou aquilo é ou não dedutível do imposto de renda. Por isso é que algumas correntes de pensamento apregoam a ideia de separação total das contabilidades societária e fiscal, deixando uma, bem distante da outra. Quem mais sai prejudicada nessa história toda é a qualidade da informação, tão necessária, principalmente nos momentos de turbulência ou de redefinição de objetivos empresariais. Prejudicados também são os profissionais idealistas e engajados que se esforçam na tentativa de construir uma contabilidade depurada e refratária.

Identificar o lucro de uma empresa com precisão milimétrica é uma tarefa praticamente impossível, uma vez que milhares de voláteis e frenéticas variáveis não param nem por um minuto de interferir na estrutura do patrimônio. Daí, a razão de tanta efervescência em torno das discussões provocadas pela adesão ao padrão IFRS. Ou seja, só há poucos anos a contabilidade passou de fato a existir no Brasil. Antes, ela era apenas uma rarefeita peça de ficção.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: Essa confusão toda existe só no Brasil? Talvez a resposta esteja na nossa genética latina. O fisco americano, como o fisco alemão, aceita algumas provisões que aqui são absolutamente rechaçadas pela RFB, por se tratar de questões carregadas de subjetivismo e por isso mesmo, dependente da honestidade do contribuinte. O brasileiro, assim como italianos e espanhóis, tem incutido na sua cultura o hábito de sempre tirar vantagem em tudo que faz. Ou seja, se algum espaço for aberto para deduções com alto grau de subjetividade, as nossas empresas seriam inundadas de prejuízos artificiosos, comprometendo com isso o sistema de arrecadação tributária. Na realidade, o contador americano não ousa manipular descaradamente os registros contábeis porque simplesmente sabe que se o fizer irá direto para a cadeia, o que não ocorre por aqui. Uma palestrante muito famosa da nossa região afirmou que a corrupção precisa ser evitada porque depois de roubado o dinheiro não mais é recuperado. Em outras palavras, ela disse que roubo e sonegação não dá cadeia no Brasil. Eis a chave da questão.



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