Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 22/12/2015 - A236
O
senador Botelho Pinto reuniu a imprensa em coletiva para anunciar um grande
projeto. Em meio ao rito cerimonial cheio de pompa e autoridades, seguiu-se
então o discurso:
–
A crise nos obriga a focar naquilo que temos de melhor. O Brasil não pode
continuar perdendo tempo nem dinheiro com projetos que não entende ou não tem
experiência. Assim, pensando nas nossas potencialidades, resolvemos criar um
órgão capaz de exportar tecnologia 100% nacional para o mundo todo. Com isso,
eu passo a palavra ao nobre Ministro João Peroba, titular do MinCo, ao qual é
subordinado esse projeto, que eu tenho absoluta certeza que levará o Brasil à
liderança mundial nesse setor que é importantíssimo para a economia nacional.
Nobre ministro, a palavra é sua.
–
Muito obrigado senador... nobres colegas... Eu, agora, como titular do recém
criado MinCo, Ministério da Corrupção, gostaria de anunciar a criação da
Propinobrás, que será o órgão que vai difundir internacionalmente a nobre e
lucrativa arte da maracutaia para países irmãos, carentes dessa tecnologia,
como Islândia, Noruega, Suécia... A Propinobrás trabalhará, promovendo
intercâmbio internacional de cursos, tais quais: Planejamento Escalonado de
Propina; Conchavo Avançado; Contabilidade Criativa; MBA de Maracutaias
Jurídicas e Ocultação de Provas, que também é uma das nossas especialidades
mais importantes. E como não há órgão público sem uma sede e não há sede sem
licitação, eu gostaria de chamar aqui ao palco, o empreiteiro Prudente Lamas,
que é nosso parceiro e também sócio nessa bela iniciativa. O amigo Lamas é o
vencedor da licitação do belo e imponente prédio da Propinobrás. Por favor,
aplausos para o empreiteiro Lamas.
–
Obrigado, obrigado pelo carinho e atenção...
Meus amigos, o Brasil, há muito tempo precisava de um órgão como esse. E
nós, da Lamas & Lama Associadas, tivemos a honra de vencer a licitação
fraudada. Estamos muito orgulhosos de construir esta maravilha absolutamente
funcional e adaptada ao nobre propósito de sediar a Propinobrás. Senhor
ministro, por favor, tenha a honra de apresentar o projeto aos presentes.
Eis
que o ministro João Peroba retira o tecido que cobre a maquete da sede da
Propinobrás. E, para surpresa geral, a maquete da obra é somente um terreno com
um buraco no meio e uma placa ao lado. Um repórter questiona:
–
Isso não é maquete de prédio nenhum. Isso é só um buraco com uma placa. Cadê o
prédio?
O
ministro retruca.
–
Pra quê prédio, se estamos num momento econômico de apertar o cinto? Se já foi
feita a licitação fraudada, se já foi distribuída a propina, se já foi feito o
conchavo, pra que então gastar dinheiro com cimento, pedra, vergalhão e essas
coisas...?
O
senador Botelho Pinto interfere na conversa.
–
Muito bem dito, senhor ministro!! Muito bem dito!! O momento é de zelar pela
coisa pública. Não podemos desperdiçar. O momento é de austeridade...
O
ministro Peroba complementa.
–
É preciso destacar a funcionalidade da obra, uma vez que a construção é
multiuso. Ou seja, basta trocar a placa que a obra se transforma em outra
coisa.
–
No quê? indaga outro repórter. Ao que alguém responde.
–
Talvez um piscinão. Quem sabe, um parque aquático ou a sede de outro órgão... etc.,
etc.
O
senador Botelho Pinto, já irritado com tantas perguntas, responde encerrando a
reunião:
–
Mas que sede? O importante é a licitação, é a propina... Já vi que jornalista
não entende de nada.
Esse
enredo surreal é mais um dos quadros do programa Zorra Total, exibido no último
sábado. Quer dizer, surreal, nem tanto. Na prática, o que os telespectadores
assistiram foi a uma versão crua da realidade que vigora nos órgãos públicos.
Na prática, é impossível imaginar um processo licitatório limpo e honesto. Não
adianta, portanto, autoridade nenhuma tentar convencer a população de que não
existe corrupção nos procedimentos licitatórios. Quem conhece o universo da
gestão pública sabe perfeitamente dos infinitos esquemas que circulam em
corredores, gabinetes e balcões em geral. Resumindo, o universo público é o
universo da corrupção.
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