terça-feira, 22 de dezembro de 2015

GRANDE OBRA DO NOVO MINISTÉRIO


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 22/12/2015 - A236

O senador Botelho Pinto reuniu a imprensa em coletiva para anunciar um grande projeto. Em meio ao rito cerimonial cheio de pompa e autoridades, seguiu-se então o discurso:

– A crise nos obriga a focar naquilo que temos de melhor. O Brasil não pode continuar perdendo tempo nem dinheiro com projetos que não entende ou não tem experiência. Assim, pensando nas nossas potencialidades, resolvemos criar um órgão capaz de exportar tecnologia 100% nacional para o mundo todo. Com isso, eu passo a palavra ao nobre Ministro João Peroba, titular do MinCo, ao qual é subordinado esse projeto, que eu tenho absoluta certeza que levará o Brasil à liderança mundial nesse setor que é importantíssimo para a economia nacional. Nobre ministro, a palavra é sua.

– Muito obrigado senador... nobres colegas... Eu, agora, como titular do recém criado MinCo, Ministério da Corrupção, gostaria de anunciar a criação da Propinobrás, que será o órgão que vai difundir internacionalmente a nobre e lucrativa arte da maracutaia para países irmãos, carentes dessa tecnologia, como Islândia, Noruega, Suécia... A Propinobrás trabalhará, promovendo intercâmbio internacional de cursos, tais quais: Planejamento Escalonado de Propina; Conchavo Avançado; Contabilidade Criativa; MBA de Maracutaias Jurídicas e Ocultação de Provas, que também é uma das nossas especialidades mais importantes. E como não há órgão público sem uma sede e não há sede sem licitação, eu gostaria de chamar aqui ao palco, o empreiteiro Prudente Lamas, que é nosso parceiro e também sócio nessa bela iniciativa. O amigo Lamas é o vencedor da licitação do belo e imponente prédio da Propinobrás. Por favor, aplausos para o empreiteiro Lamas.

– Obrigado, obrigado pelo carinho e atenção...  Meus amigos, o Brasil, há muito tempo precisava de um órgão como esse. E nós, da Lamas & Lama Associadas, tivemos a honra de vencer a licitação fraudada. Estamos muito orgulhosos de construir esta maravilha absolutamente funcional e adaptada ao nobre propósito de sediar a Propinobrás. Senhor ministro, por favor, tenha a honra de apresentar o projeto aos presentes.

Eis que o ministro João Peroba retira o tecido que cobre a maquete da sede da Propinobrás. E, para surpresa geral, a maquete da obra é somente um terreno com um buraco no meio e uma placa ao lado. Um repórter questiona:

– Isso não é maquete de prédio nenhum. Isso é só um buraco com uma placa. Cadê o prédio?

O ministro retruca.

– Pra quê prédio, se estamos num momento econômico de apertar o cinto? Se já foi feita a licitação fraudada, se já foi distribuída a propina, se já foi feito o conchavo, pra que então gastar dinheiro com cimento, pedra, vergalhão e essas coisas...?

O senador Botelho Pinto interfere na conversa.

– Muito bem dito, senhor ministro!! Muito bem dito!! O momento é de zelar pela coisa pública. Não podemos desperdiçar. O momento é de austeridade...

O ministro Peroba complementa.

– É preciso destacar a funcionalidade da obra, uma vez que a construção é multiuso. Ou seja, basta trocar a placa que a obra se transforma em outra coisa.

– No quê? indaga outro repórter. Ao que alguém responde.

– Talvez um piscinão. Quem sabe, um parque aquático ou a sede de outro órgão... etc., etc.

O senador Botelho Pinto, já irritado com tantas perguntas, responde encerrando a reunião:

– Mas que sede? O importante é a licitação, é a propina... Já vi que jornalista não entende de nada.

Esse enredo surreal é mais um dos quadros do programa Zorra Total, exibido no último sábado. Quer dizer, surreal, nem tanto. Na prática, o que os telespectadores assistiram foi a uma versão crua da realidade que vigora nos órgãos públicos. Na prática, é impossível imaginar um processo licitatório limpo e honesto. Não adianta, portanto, autoridade nenhuma tentar convencer a população de que não existe corrupção nos procedimentos licitatórios. Quem conhece o universo da gestão pública sabe perfeitamente dos infinitos esquemas que circulam em corredores, gabinetes e balcões em geral. Resumindo, o universo público é o universo da corrupção.




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