Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 8 / 11 / 2016 - A273
Numa
magnífica e providencial exposição o Jurista Eurico de Santi traçou um panorama
do nosso sistema jurídico fiscal. Ele iniciou sua palestra com o relato duma
iniciativa da Receita Federal, que convidara segmentos do empresariado para
discutir modificações na legislação do Pis/Confis. Tal acontecimento indicou
uma mudança de paradigma, onde não mais é o Estado que ordena, regula e
determina. As soluções devem surgir da união conjunta de esforços e do debate
objetivo.
Certa
vez, o Diretor de Impostos do FMI, sr. Richard Bird, esteve no Brasil para
discutir particularidades do nosso sistema tributário. Do alto dos seus 50 anos
de experiência ao redor do mundo, ele afirmou que nunca tinha visto todos os
possíveis problemas fisco tributários, juntos, num mesmo país. O senhor Bird declarou
ainda que a nossa arrecadação é muito alta e que por isso mesmo não deveria
haver motivo para reclamação. Seguindo nessa linha de raciocínio, o Tributarista
José Roberto Afonso disse que os fiscais brasileiros aplicam cada vez melhor um
sistema tributário cada vez pior. Trocando em miúdos, possuímos a tremenda
eficiência tecnológica do SPED para aplicar numa legislação que não faz mais
sentido. As infinitas discussões sobre os vastos conflitos normativos são
concentradas em aspectos específicos ou questões pontuais conectadas ao cipoal
legislativo. Isto é, mexe-se numa coisa e desmantela-se outra. Os acordos
pactuados não se sustentam porque o problema está no sistema como um todo. A
solução depende duma abrangente articulação. É preciso pensar juntos: governo e
sociedade.
O
Jurista Francisco Pontes de Miranda disse que, no Direito, o cindir é desde o
início. Tal qual seja, lícito ou ilícito; bem móvel ou imóvel; fungível ou
infungível etc. Por esse caminho vai se criando configurações e categorias
jurídicas de tributação. Vamos então aos cortes. O ICMS é cortado em 27
estados, enquanto que o ISS (contaminado pelo ICMS) é cortado em 5.760
municípios. Um oportuno conceito extraído do livro Normat System indica que
cada critério normativo leva à construção dum sistema específico. Sendo assim,
temos 27 sistemas de ICMS e 5.760 sistemas de ISS – todos muito complexos. E
ainda vem a União abocanhar parte dos tributos sobre consumo (Pis/Cofins), os
quais são visceralmente integrados, tanto com o ICMS quanto com o ISS. Isto é,
para pagar Pis/Confins é preciso buscar referências no ICMS e no ISS. O Pis e a
Cofins são estratificados em 56 setores ou regimes de enquadramentos
tributários. O cruzamento de todas essas taxações gera 8.709.120 sistemas
jurídicos, onde cada cidadão brasileiro pode perfeitamente interpretar cada um
deles do modo que achar mais conveniente. Essa é a extraordinária fonte da
pujante indústria do contencioso fiscal. Não à toa, mais de 100 milhões de
processos judiciais estão em tramitação, sendo metade disso relacionado às
brigas entre Fisco e Contribuinte. É dessa forma que está construída a base
sobre o consumo no Brasil. Ressalte-se que, em média, um novo sistema é criado
a cada novo dia. Isso significa que os autos de infração fiscal podem ser um,
hoje, e outro, amanhã. As mutações são frenéticas e desordenadas.
Para
fechar a desgraceira, somos reféns da Maldição do Lançamento por Homologação,
que resulta em mais complexidade e mais contencioso fiscal (samba do crioulo
doido). O lançamento por homologação cria mais interpretações, mais
dificuldades, mais generalidades, mais insegurança, mais desigualdade, mais
fiscalização, mais incerteza... O Brasil tem 200 vezes mais contencioso fiscal
do que qualquer outro lugar do mundo. Em outras palavras, o Contribuinte é pressionado
a cumprir suas obrigações de acordo com o entendimento formado a partir dos
tais oito milhões de sistemas tributários. Num momento posterior, o Fisco
interpreta a coisa de outra maneira: com dolo, fraude ou simulação. A balbúrdia
toma corpo porque a lei não é clara (tudo pode ser lícito ou tudo pode ser
ilícito – efeitos da hiper complexidade). Vence então quem tem mais força ou
mais influência sobre o Judiciário. Nas palavras do personagem Vicente, da
minissérie Justiça (Rede Globo), “nesse país o Judiciário faz o que o dinheiro
mandar”.
Diante
dessa vasta confusão normativa fica o empresário focado única e exclusivamente
na alíquota ou no MVA. Ele se esquece do imbróglio jurídico tributário que
mantém sua empresa num permanente estado de risco patrimonial. Também, não atenta
para o imenso custo burocrático que devora suas finanças e aumenta o nível de
estresse e de incerteza. Sua energia é consumida por questões secundárias. Ou
seja, muito tempo é gasto em assuntos que não geram riqueza para o negócio.
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