terça-feira, 20 de dezembro de 2016

LIDERANÇA SOLITÁRIA


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 20 / 12 / 2016 - A278

Rafael Soares era o mais dedicado operário duma grande empresa. Atento e observador, achou por bem rifar entre os colegas um equipamento recém-chegado ao mercado. Surpreendentemente, o interesse geral cresceu tanto que vários outros sorteios foram acontecendo de modo tal que o fabricante do famoso equipamento lhe ofereceu uma concessão comercial. Em pouco tempo o antigo operário havia se transformado num empresário de sucesso. Era como se o homem tivesse trazido a Coca-Cola para o Brasil. Eram carretas e carretas de produtos chegando e logo sendo vendidas. Daí, que uma coisa foi puxando a outra, aumentando assim a variedade de mercadorias na sua loja. No afã de alcançar o máximo de consumidores possível veio então a ideia de expansão do negócio para vários estados da federação. E assim foi feito. O empreendimento subiu, subiu até que começou a engasgar. A parca experiência administrativa e a pouca habilidade para lidar com a burocracia empresarial atropelou o espírito empreendedor do senhor Rafael. Clientes não pagavam, filiais deviam muito à matriz, controles internos não funcionavam, faltavam procedimentos e políticas comerciais etc. Resumo da ópera, o melhor a fazer era liquidar tudo e viver do saldo patrimonial.

Eis que um estudante de contabilidade foi contratado para fazer um trabalho que ninguém sabia exatamente do que se tratava. O senhor Rafael expôs o quadro sintomático da empresa e pediu a esse contador que o ajudasse a salvar os negócios. O contador era um profissional experiente que havia ingressado tardiamente na universidade. Sua experiência em grandes empresas foi decisiva para redesenhar toda a estrutura empresarial. O trabalho foi feito a quatro mãos. Duas cabeças pensando harmoniosa e alinhadamente foram capazes de identificar e neutralizar as diversas falhas operacionais. E assim se seguiu um longo e intenso trabalho de correção de rumos. Por fim, na prática, uma nova empresa surgiu – mais profissional e mais estável. A empresa de hoje é líder em todos os mercados em que atua; possui um modelo de negócio admirado por clientes, fornecedores, funcionários etc. Enfim, um belo case empresarial.

É bom lembrar que nessa gloriosa trajetória houve um ponto de inflexão. Houve um momento em que a rota de declínio foi corrigida. Curiosamente, as soluções mais importantes não partiram do contador. Ele apenas ajudou o senhor Rafael no desenvolvimento dum raciocínio empresarial mais profissionalizado. Evidentemente, muitos detalhes técnicos concorreram para a formatação da nova cultura empresarial. Poder-se-ia dizer que uma boa conversa mudou tudo. Esse é o ponto.

A liderança é solitária. O brilhantismo do senhor Rafael era tolhido pela falta de interlocução. Ele não tinha com quem discutir assuntos estratégicos ou planejar em conjunto o passo a passo dos assuntos internos da sua empresa. Nenhum dos seus funcionários possuía maturidade pra esse tipo de coisa. Nem a firma de contabilidade responsável pela escrituração das suas contas tinha como prestar uma consultoria de gestão. E como o senhor Rafael era um homem simples e já tão escaldado pelas inúmeras traições de parceiros de negócios, ele precisava de alguém que fosse objetivo e que trabalhasse de modo simples e direto – sem floreios, sem ternos, sem rituais e sem perfumarias.

Quantos empresários, nesse momento, estão à deriva em algum aspecto do negócio? Trilhar uma mata fechada, sozinho e calado exige altos níveis de controle mental, além de esforço físico maior por não haver com quem dividir o exaustivo trabalho de desbastar o cipoal do caminho. Travar diálogos francos e abertos com um interlocutor altamente capacitado faz surgir um vasto horizonte de possibilidades. Além do mais, refletir e debater sobre os negócios, é um exercício indispensável para renovar as energias e conservar a chama acesa. Mesmo porque, tudo precisa ser renovado para manter a jovialidade.

Nesses nossos tempos de alta pressão governamental deve haver, no mínimo, um intenso diálogo contábil e fiscal. Pelo menos isso. Daí, que o interlocutor precisa não somente ter uma boa qualidade técnica, mas também a capacidade de traduzir para o cliente toda a intrincada burocracia normativa. Pesa nesse exercício uma boa didática e uma saudável relação de confiança. A informação é importante, o conhecimento é decisivo e o diálogo deve ser frequente.





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