Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 09 / 1 / 2021 - A415
Artigos publicados
Nos
EUA - tal como em muitas sociedades amadurecidas - existem numerosas organizações,
através das quais a opinião dos cidadãos faz-se ouvir e por cujo intermédio os
descontentamentos são processados: associações de pais e professores,
associações de consumidores, comitês de vizinhança, associações profissionais,
sindicatos, comunidades eclesiais etc. Tais associações servem também de foro
onde as necessidades do cidadão são discutidas, consolidadas, traduzidas em
demandas e, canalizadas para os órgãos públicos. Em muitos casos, os problemas
são apresentados e soluções alternativas são aí desenvolvidas e avaliadas.
Essas organizações operam como mecanismos provocadores da burocracia e como
cobradoras dos serviços públicos (também dos legisladores) de obrigações para
com o público. Esse resultado decorre não só da textura institucional da
sociedade americana, como ainda de uma cultura em que a autoconfiança é um traço
muito forte, refletido na postura do cidadão diante do Estado, na disposição
para exigir os próprios direitos, ao invés de pedi-los como favores. Esse
parágrafo é parte de um estudo da Doutora Anna Maria Campos.
O diretor Martin Scorsese mostra no seu violento filme “Gangues de Nova York” que a América nasceu nas ruas. Ou seja, tudo o que os americanos são e tudo que conquistaram é fruto de lutas ferozes para defender seus ideais: liberdade, soberania popular, governo limitado, democracia etc. A invasão do Capitólio no último dia 6 evidenciou a gigantesca capacidade de mobilização dos cidadãos americanos. Isso também ficou marcado nas manifestações BLM, as quais sacudiram os pilares da maior potência mundial. O movimento BLM afetou profundamente as crenças do cidadão, as condutas empresariais e as políticas públicas americanas. Mas tudo só foi possível depois de um longo período de barulhentas marchas diárias.
O general ateniense Temístocles disse que “devemos perseverar como nação ou morreremos agarrados aos nossos próprios interesses”. Essa máxima em nada se aplica ao povo brasileiro, que é preguiçoso e egoísta. Os traços da cultura americana pontuados no trabalho da Doutora Anna Campos não existem no Brasil. O brasileiro não se organiza, não fiscaliza o poder público e ainda é totalmente alheio e indiferente ao câncer da corrupção. Por isso vota em bandidos notórios, mesmo sabendo que sua escolha vai repercutir na falta de saúde, de educação, de segurança etc. O brasileiro é assaltado, é morto por falta de atendimento médico, mas vota insistentemente nos causadores dessas desgraças. Por outro lado, as pessoas honestas fogem da política porque não querem mergulhar na lama; concomitantemente, o ambiente apodrecido e corrupto da nossa política atrai facínoras da pior espécie.
Todo esse desleixo do povo brasileiro cobrou o seu preço agora, na pandemia do coronavírus. Essa dita negligência conferiu uma força titânica ao poder público, cuja mão fortalecida pelo cidadão indolente agora pesa sobre sua vida e seu patrimônio. O Ministério Público mandou o Judiciário que mandou o governador fechar o comércio não essencial. Nenhum desses entes se preocupou com a fome nem com o aluguel de quem tem que trabalhar diariamente sustentar os filhos. O desmedido contingente de agregados às empresas formalizadas sobrevive do movimento de transeuntes. Por outro lado, as empresas fechadas já vinham capengando devido ao lockdown anterior. Obviamente, o prognóstico indica uma chuva de demissões e de falências por toda a cidade.
A parte mais deprimente desse lockdown tem a ver com a passividade dum povo que vai morrer calado porque o governador cortou abruptamente o seu sustento. Outra face perversa dessa decisão governamental tem a ver com a escolha de quem vive e de quem morre. O lockdown necessário para frear o avanço da pandemia acabou por premiar os supermercados que vendem tudo que o comércio regular trabalha. O governador direcionou toda a clientela que frequentava o comércio regular para os supermercados, que agora estão lucrando horrores.
Dolorosamente, a pandemia exige sacrifícios para frear o seu avanço, mas somente alguns são sacrificados para o bem de todos. Além do comércio essencial que aumentou seus lucros, a classe dos funcionários públicos foi a grande beneficiada com prolongadas licenças remuneradas e com aumentos de salários depois das eleições.
Aqueles que estão sendo sacrificados em holocausto devem morrer calados para que o funcionário público de alto salário possa ter segurança sanitária. A polícia sitiou o centro da cidade para garantir que as lojas permaneçam fechadas. A polícia instituiu um clima de intimidação com objetivo de evitar manifestações semelhantes às do dia 26 último. Um povo calado cria o ambiente favorável para o exercício da tirania; esse tipo de coisa não acontece nos Estados Unidos.
Com a finalidade de amenizar a tensão do lockdown, o governador vem promovendo inúmeras reuniões que têm produzido muita fumaça midiática e pouca efetividade. O governador exige o pagamento do ICMS dentro do mês de vencimento, negando assim o adiamento por três meses. O governador lançou uma linha de crédito para pequenos negócios que na prática não funciona pelo excesso de burocracia normativa. No final das contas, os requerentes saíram de variadas reuniões com o gosto amargo da derrota. Tudo que o governador ofereceu até o momento é discurso. As pessoas vão comer discurso ou pagar o aluguel com discurso.
O fato é o seguinte: Se não nos inspirarmos no espírito americano, vamos apodrecer no deserto do desprezo governamental. O governador está muito bem de vida – o ministério público e o judiciário; todo esse pessoal, lá do alto das suas coberturas tomando champanhe, olham para os desgraçados estrebuchando na miséria e na fome. Os deuses do olimpo só reconhecem uma linguagem: A linguagem das ruas. Lembremo-nos todos que o governador arregou-se imediatamente quando um punhado de manifestantes fechou o centro. Agora, imagine o que uma absoluta mobilização popular é capaz de produzir.
Se o lockdown é imprescindível, então, que a sociedade inteira contribua com sua parcela de sacrifício; quem tá ganhando deve amparar quem tá perdendo porque todos estão sendo beneficiados pelo sacrifício de alguns. Nos EUA e UK, pessoas físicas e jurídicas vêm recebendo gordas compensações financeiras do governo. A Colômbia instituiu uma taxa de 20% sobre o pagamento dos funcionários públicos para custear gastos com a pandemia. O governo brasileiro deveria cobrar uma taxa de todos que estão ganhando para depois repassar aos que estão perdendo. Se isso acontecesse, os defensores ardorosos do lockdown mudariam rapidamente as suas opiniões dogmáticas.
Não podemos esquecer que esse lockdown é um teste de submissão. Se o povo baixar a cabeça agora, os entes públicos vão entender que esse povo inerte tem a garganta larga. E assim, vão empurrar majorações de impostos, mais aumentos de salários públicos, mais contratações públicas, mais compras sem licitação, mais corrupção, mais lockdown etc. Curta e siga @doutorimposto
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