terça-feira, 3 de agosto de 2021

O JOGO É BRUTO

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  3 / 8 / 2021 - A428
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Em rápida pesquisa na internet, encontrei uma bola de futebol pelo módico preço de R$ 399,90. Na sequência, verifiquei no site do IBPT a carga tributária de 47,69% escondida no interior do objeto esportivo. Quem faz essa compra acaba pagando R$ 209,19 pelo produto mais R$ 190,71 de imposto. Mas ao consumidor não é prestada essa informação na etiqueta de preço. E como todo mundo enxerga somente uma coisa, pouquíssimos cidadãos sentem que grande parte do dinheiro que sai do bolso vai para o erário. O dito valor de R$ 190,71 corresponde a 19,07% do salário de R$ 1.000,00; 3,81% de quem ganha R$ 5.000,00; e 0,95% do rendimento de R$ 20.000,00. Observe que, quanto maior a renda, menor é a carga relativa de imposto (regressividade tributária). Os pesados tributos embutidos nos bens de consumo não prejudicam o rico, mas causam uma desgraça na vida do pobre, principalmente quando a mão da Sefaz pesa na cesta básica. É bom lembrar que a maior tributação da cesta básica está no Amazonas; por aqui também encontramos os maiores percentuais MVA do ICMS-ST.

Há um assunto que perturba demais os prefeitos Brasil afora, que é o dilema do aumento de IPTU. Há casos de cidades que passam anos sem reajuste porque o chefe do poder local teme a revolta dos munícipes. Insurgências também acontecem em decurso de majorações no imposto de renda ou no IPVA. Tais fenômenos belicosos estão na gênese dos impostos “por dentro”. O governo precisava operacionalizar um mecanismo que permitisse majorações infinitas sem atiçar a fúria dos espoliados. Era necessário arrancar o couro da população e ao mesmo tempo construir um arquétipo de vilania para absorver os males causados pela voracidade arrecadatória. Foi assim que toda culpa da escalada confiscatória foi jogada nas costas do empresário ganancioso que vive aumentando os preços das mercadorias. E de tanto bater nessa tecla, o governo conseguiu demonizar o espírito empreendedor. No Brasil é pecado ser um comerciante próspero; é um sacrilégio gerar empregos que sustentam famílias empobrecidas. Por isso, a dupla Sefaz/RFB está sempre punindo quem se atreve a gerar riqueza e desenvolvimento.

A novela Nos Tempos do Imperador, que estreia na próxima semana, vai contar um pouco da formação dos grupos aristocráticos acostumados a manipular o sistema institucional para impor seus caprichos e fazer valer suas depravações. Os fidalgos de ontem são os mesmo de hoje (vivem num eterno processo de reencarnação). Tais eminências pardas nunca gostaram de pagar imposto e sempre deixaram isso bem claro. Diante desse ultimato, o legislador cuidou então de criar um sistema que garantisse arrecadação sem mexer no bolso dos poderosos. A saída então foi o tal imposto “por dentro”.

Com o aumento descarado da roubalheira no setor público, a demanda por mais arrecadação cresceu exponencialmente. Era urgente a necessidade de enfiar o punhal mais fundo nas costas do pagador de impostos. Criou-se imposto sobre imposto e depois vários tributos sobre a mesma base etc. Na verdade, seguiu-se produzindo um festival de gritantes ilegalidades. O próximo passo da engenhosidade diabólica estava na intensificação da complexidade normativa. Os legisladores do país inteiro se juntaram numa maratona exaustiva para produzir milhões de detalhamentos normativos de modo que o sistema ficasse indecifrável. Essa confusão toda ajudava os grandes e massacrava os pequenos. A velha aristocracia de sempre passou a jogar o pouco que pagava no contencioso para não recolher nadica de nada. E para compensar o rombo fiscal, a dupla Sefaz/RFB resolveu espremer os pequenos negócios até a última gota de sangue.

Após décadas aprisionado na idade das trevas fiscais, eis que surge a proposta iluminista que promete libertar o contribuinte do inferno tributário. Depois de um começo esfuziante e muita pirotecnia, a discussão sobre a reforma tributária foi tomada de sombras até que escureceu totalmente. A montanha de expectativas pariu o rato da alíquota do imposto de renda. A velha aristocracia (de novo) aproveitou o momento para forçar a redução do imposto de renda. Agora, o governo vive a dizer que vai reduzir imposto de renda das empresas e das pessoas físicas. Em outras palavras, o governo sinaliza que vai intensificar a regressividade: vai aumentar os impostos da gasolina, da energia elétrica, do telefone, dos alimentos, dos remédios etc. Provavelmente, o governo vai criar novos impostos sobre consumo e certamente a confusão normativa vai piorar e o número de pobres vai aumentar.

No ano de 2016, em resposta às provocações de Donald Trump, a candidata Hillary revelou que o casal Clinton ganhou US$ 10,6 milhões e pagou 43% de impostos em 2015. Nos EUA, a elevada tributação da renda gera um enorme poder de consumo pela baixíssima taxação de mercadorias, combinada com normatização simplificada. Ou seja, o tributo é “por fora” e cobrado somente quando o consumidor passa no caixa (não existem zilhões de regras como acontece no Brasil).

Enquanto o rico americano paga taxas elevadas de imposto de renda, as recentes discussões no congresso brasileiro propõem 10% para pessoas jurídicas e 15% para pessoas físicas. Ou seja, o mundo civilizado está errado e só o Brasil está certo (efeito jabuticaba). As ricas eminências pardas compraram a reputação de célebres figuras hipócritas que trabalham intensamente no pressuposto de que pouco imposto sobre renda e muito imposto sobre consumo é o melhor caminho. Em outras palavras, estão mandando o pobre se arrombar. Curta e siga @doutorimposto





























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