Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 22 / 3 / 2022 - A447
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Observa-se no Brasil um culto sagrado ao modelo tributário denominado imposto sobre valor agregado (IVA) ou, tecnicamente falando, “não cumulatividade tributária”. Com isso, visa-se tributar somente o que é agregado pelo comerciante, evitando taxar novamente aquilo que já foi cobrado em etapas anteriores. Teoricamente, essa ideia parece justa. Só que, na prática, a coisa toda embolota dum jeito que fica impossível identificar a carga exata de determinadas operações comerciais; e, também, sobre tal alicerce foi construída uma colossal estrutura burocrática que inchou a máquina fazendária e concomitantemente expandiu o custo de conformidade empresarial. E, mais ainda, do IVA nasceu a maior parte do nosso insano contencioso tributário. Um exemplo gritante do efeito maléfico do IVA está no Pis/Cofins que até o ano de 2002 era um tributo simples de operacionalizar até que as Leis 10637 e 10833 incendiaram o ambiente normativo. Daí, pra frente, o legislador mergulhou num frenesi desvairado até chegarmos ao entulheiro normativo de 200 metros de altura. Como resultado, o Pis/Cofins se transformou numa fonte infinita de detalhamentos pormenorizados impossíveis de esquadrinhar e cumprir. Toda essa obscuridade recriou uma monumental indústria do contencioso fiscal.
Impressiona, por exemplo, o apego dogmático ao modelo IVA, presente nas propostas de reforma tributária atualmente em discussão no Poder Legislativo. Fica a impressão de que não cabe espaço para outra corrente de pensamento; reverbera uma mensagem subliminar de que forças sobrenaturais insistem na manutenção do status quo. Acontece que o modelo da substituição tributária do ICMS e do regime monofásico do PIS/Cofins quebram a espinha dorsal do IVA. Isso se dá quando processos multifásicos são transformados em monofásicos por meio de prognósticos obscurantistas. Dessa forma, o modelo da não cumulatividade se choca com a ordem cumulativa, e, mesmo assim, o legislador nega tal conflito de opostos. E, claro, obvio, um troço maluco desse acaba jogando o contribuinte num inferno tributário perturbador. O grande problema está na mistura de regimes que obriga o contribuinte a fazer um trabalho de mineração classificatória que muitas vezes é dificultado pelos próprios órgãos regulamentadores que não sabem explicar suas próprias criações. Tanta confusão deixa no ar um forte cheiro de intenções maliciosas. Ou seja, a impossibilidade de cumprimento abre caminho para ações nefastas de agentes fiscalizatórios (achaques, propinas, tráfico de influência etc.).
Na prática, o regime da substituição tributária poderia muito bem servir de modelo para uma reforma tributária que efetivamente desburocratizasse o ICMS. Ou seja, as várias modalidades seriam substituídas por uma alíquota única e definitiva e sem débito e sem crédito que seria cobrada uma única vez, como já acontece atualmente quando, por exemplo, carnes e frangos ingressam no Amazonas. Inclusive, as evidências mostram que a Sefaz tenciona migrar para um sistema de tributação fixa, uma vez que os Decretos 41264/2019 e 44752/2021 concretizam essa intenção. A bem da verdade, pode-se afirmar que a Sefaz amazonense começa a desbravar uma vereda capaz de nos levar para um terreno mais estável e mais previsível, uma vez que a tributação fixa decretaria a morte da não cumulatividade, levando para a sepultura muitos dos macabros instrumentos de registro e de controle fiscal. É bom lembrar que o modelo da não cumulatividade é piorado pelo sistema de “impostos por dentro”. Quanto ao Pis/Cofins, o ideal seria voltar ao padrão do século passado.
Se o modelo de tributação fixa prevalecer na sua totalidade, os contribuintes amazonenses iriam se livrar dum extremado peso burocrático e a própria Sefaz ficaria menos sobrecarregada e com mais capacidade de combate a esquemas de sonegação. Ficaríamos igual ao Estado do Acre, que até o ano de 2015 era o ambiente federativo mais tranquilo de trabalhar, justamente porque cobrava tudo antecipadamente (não existia apuração de ICMS).
A nossa conjuntura fiscal permite, sim, a implementação duma efetiva reforma tributária se houver seriedade e honestidade nas intenções do legislador. Lamentavelmente, nada no Brasil funciona, exatamente porque tudo é conduzido por verdadeiras organizações mafiosas infiltradas nos bastidores do Poder. Curta e siga @doutorimposto.
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