terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Bloqueio do patrimônio sem ordem judicial



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  16 / 1 / 2018 - A 321

Tempos atrás, num evento sobre o Convênio 93/2015, o palestrante questionado sobre a ilegalidade da base dupla respondeu que o STF não havia decidido sobre a inconstitucionalidade do dispositivo em questão. Os ouvintes ficaram espantados com a arvoragem presunçosa do palestrante da Sefaz, que, soberbamente deixou subentendido que a Constituição inteira precisa ser ratificada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao final do evento, permaneceu a convicção de que os entes fazendários continuarão tripudiando sobre as disposições da Carta Magna. Em abril do ano passado, o Confaz exorbitou das suas competências ao impor normatização vedada pelo ordenamento jurídico, fato esse, que foi anulado por medida cautelar proferida pela Ministra Cármem Lúcia. Finalmente, a base dupla do ICMS levou um tiro certeiro do STF.

Diante dum quadro normativo tomado por incertezas, descobre-se, por fim, que os nossos governantes são avessos a normas e regras de qualquer tipo. Isto é, o ranço do carrancismo permanece impregnado no espírito autoritário de quem não respeita nada nem ninguém. Daí, a razão do festival de ilegalidades publicadas todos os dias nos diários oficiais; e também, o motivo da sobrecarga do STF, que está sempre reafirmando as obviedades constitucionais.

Pois é. Pelo visto, será preciso formar uma comissão superior que ratifique todo o conteúdo da nossa Lei Maior. A sociedade clama por algo que proteja o ordenamento jurídico, principalmente, a nossa Constituição Federal. Só assim, teremos condições de abandonar o ambiente pantanoso da insegurança jurídica.

A bola da vez (ilegalidade da vez) está no artigo 25 da Lei 13.606/2018, que acrescentou o artigo 20-B à Lei 10.522/2002, o qual confere à Fazenda Pública o poder de tornar indisponíveis os bens e direitos do devedor, independentemente de prévia autorização judicial. Isso contraria frontalmente o artigo 185-A do CTN, que autoriza somente o juiz a realizar a indisponibilidade de bens do devedor tributário. Contraria também, o artigo 5º, XXII da Constituição Federal, que salvaguarda o patrimônio de quem possui dívidas fiscais.

O Manifesto do Sindicato do Comércio Atacadista SINCADAM expressa a indignação dos comerciantes amazonenses diante do abuso perpetrado pela Lei 13.606. Reproduzimos a seguir, parte da publicação.

A nova legislação possui vício formal, uma vez que sendo lei ordinária jamais poderia revogar conteúdo expresso de lei complementar. Com efeito, o artigo 185-A do CTN prevê expressamente que a constrição de bens do contribuinte só é admissível após a citação regular.

Em verdade, a nova lei se manifesta como mais uma sanção política imposta aos contribuintes brasileiros, constituindo-se como meio coercitivo indireto para cobrança de tributos, o que é vedado pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, conforme vários verbetes de sua Sumula, a saber:

Súmula 70 – "É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo". Julgados: RMS 9698, de 11.07.62 (DJ de 29.11.62); e RE 39.933, de 09.01.61.

Súmula 323- "É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos". Julgado: RE 39.933, de 09.01.61.

A medida é irrazoável, é desproporcional, além de violar inúmeras garantias da Constituição Federal, como: (i) a propriedade, da qual o cidadão somente será privado mediante justa indenização, e com obediência ao devido processo legal; (ii) a liberdade de trabalho, consagrada nos arts. 5.º, XIII e 170 da Constituição Federal, na medida em que o particular tem a continuação de sua atividade condicionada ao pagamento de tributos; (iii) o desrespeito ao devido processo legal, do qual o contraditório e a ampla defesa são desdobramentos, pois a defesa, para o contribuinte, torna-se prejudicial, pois em virtude dela suas propriedades permanecerão indisponíveis. Em outros termos, o contribuinte é coagido ao pagamento de tributos sem qualquer obediência ao devido processo legal.

O louvável posicionamento do SINCADAM nos convida à seguinte reflexão:

Em vez de perseguir aquele que produz a riqueza do país, o legislador deveria sim, criar medidas restritivas à roubalheira desenfreada que contamina a esfera pública por inteiro. As energias empregadas no confisco do patrimônio alheio poderiam ser direcionadas para a racionalidade dos gastos públicos e para a efetiva responsabilização de gestores incompetentes e corruptos.

O corpo empresarial como um todo deveria cerrar fileiras em torno dos direitos fundamentais da pessoa humana e da proteção ao Estado de Direito, porque, se hoje o Fisco torna indisponível o patrimônio do cidadão, amanhã ele poderá leiloar os bens indisponibilizados. É preciso acordar para o estado de guerra instalado no ambiente tributário.









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