terça-feira, 11 de junho de 2019

A CULTURA DA ESPERTEZA TRIBUTÁRIA



Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio  dia  11 / 6 / 2019 - A364

A economia brasileira é marcada pela extremada concentração de renda. Quando nos comparamos com o restando do mundo, a nossa posição é vergonhosa. Numa pesquisa feita pelo Banco Mundial em 136 países foi constatado que o Brasil ficou entre os 5 piores nesse ranking. Por alguns meros pontos, nós seríamos o povo com o pior quadro de equidade distributiva. Traduzindo para o português claro, a camada mais rica faz de tudo para crescer nas costas dos pobres. Isso fica evidente diante do fato de que os 10% mais ricos ganham 43 vezes o que ganham os 10% mais pobres. Essa diferença é de apenas 6 vezes nos países com melhor índice de equidade distributiva. Lamentavelmente, o brasileiro é pouco sensível a esse tema porque impera no Brasil a cultura da esperteza. Ou seja, é todo mundo fazendo de tudo para se dar bem; não importando a que custo. Essa é a gênese primordial do sistema regressivo que massacra as camadas mais baixas da sociedade brasileira. A professora Maria Helena Zockun afirma que conjunto de impostos regressivos incide numa base com características muito perversas por causa da concentração prévia de renda.

No Brasil, até mesmo a progressividade do imposto de Renda é escamoteada, uma vez que a média da alíquota efetiva é de apenas 7% enquanto a média da alíquota nominal é de 11,4%. E o motivo está nas deduções, regimes especiais e abatimentos, que são aproveitados mais intensamente nas faixas de renda mais elevadas. Consequentemente, acontece uma espécie de regressividade do imposto de renda no topo da pirâmide social. Isso significa que, em bases relativas de renda/taxação, as classes inferiores pagam mais imposto de renda. E como desgraça pouca é bobagem, essa classe inferior é que paga a mais elevada carga de impostos sobre tudo que consome. Por exemplo, na compra de um videogame de R$1.000 o governo fica com R$720 na forma de impostos, uma vez que o preço efetivo do produto é de somente R$280. E isso acontece com tudo que consumimos diariamente. O pobre é que sustenta o país com vários impostos escondidos em todas as etiquetas de preço.

O nosso senso comum é impregnado pela ideia de segregação entre ricos e pobres, onde qualquer projeto governamental adquire características peculiares dependendo da classe alvo dos seus efeitos sociais. Se a pavimentação é no bairro rico, tudo é executado com rigor e primazia, mas no bairro pobre, a coisa é tocada a c* de cavalo. Até mesmo as propostas de reforma tributária são marcadas pelo preconceito social, quando se alardeia a ideia de ajudar os pobres com redução da carga fiscal de alimentos e de remédios. A professora Maria Zockun lembra que numa sociedade de consumo os pobres não somente comem e ficam doentes; eles têm outras ambições. Por exemplo, a lista anterior dos produtos da cesta básica amazonense continha itens da pior qualidade possível, como se os pobres consumissem somente porcaria. Por outro lado, a Sefaz tributa violentamente qualquer alimento de qualidade superior ou que tenha uma embalagem caprichada. É bom lembrar que os norte-americanos repudiam veementemente a ideia de tributar alimentos porque isso é considerado um sacrilégio. O Amazonas é o estado que mais tributa alimentos. Somos um povo doente de tanto comer imposto.  

Como disse o deputado Carlos Hauly, de gambiarra em gambiarra chegamos ao caos tributário. O nosso sistema tributário é confuso, exatamente para sustentar um modelo perverso de injustiça tributária. Se tudo fosse claro e objetivo, toda a sociedade enxergaria as abominações escravizadoras dos mais pobres. No Brasil, 53% do bolo arrecadatório vem do consumo, enquanto nos EUA esse índice é de apenas 18%. Ou seja, o norte-americano ganha mais e pode consumir mais pelo fato de haver pouco imposto sobre consumo.


Por conta de tantos imbróglios é que todo papo de reforma tributária é conversa para boi dormir. Os especialistas e doutrinadores insistem em promover uma mudança de forma a perpetuar o nosso modelo regressivo. E o pior de tudo é que o ministro Paulo Guedes quer reduzir o imposto de renda, dando a entender que a velha cultura da esperteza continuará ditando as regras por muitas décadas ainda. Curta e siga @doutorimposto 























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