Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 27/05/2014 - A171
As
atividades do jardim zoológico vinham transcorrendo dentro da normalidade até o
dia que uma organização não governamental passou a questionar os métodos
utilizados no trato dos animais. Na mesma localidade funcionava o canil
municipal que abrigava cães vadios recolhidos nas ruas. O barulho dos ativistas
foi tão forte que chamou a atenção da sociedade para a qualidade da alimentação
dos animais, além das condições de saúde e do local de abrigo dos bichos. Os protestos
eram também motivados pelas péssimas condições da carrocinha que transportava
os cachorros amontoados, uns por cima dos outros. Por conta das insistentes
reclamações, a administração do jardim zoológico passou a rever seus
procedimentos operacionais. Foi constatado, por exemplo, que o estado da
carrocinha era de fato terrível, com muita sujeira, aperto e trepidação, além
do calor excessivo, já que a estrutura era quase que toda fechada. Havia casos
de cães que morriam durante o transporte. Alguém disse para o diretor que as
condições de transporte eram desumanas. O diretor retrucou, afirmando que os
transportados não eram humanos; eram somente animais. O mesmo argumento se
aplicava às reivindicações de abrigo, alimentação, saúde etc.
O
diretor do zoológico não nutria nenhum sentimento de piedade porque
simplesmente nunca foi transportado na carrocinha, nunca comeu os alimentos
servidos aos animais nem nunca passou a noite nos abrigos cheios de goteiras do
jardim zoológico. Nem jamais foi tratado por um veterinário. A mesma situação
se aplicava a outras autoridades do poder público, que também estavam se
lixando para o caso. Os animais, coitados, não tinham voz nem meios de
reivindicar melhores condições de vida, dependendo assim do apoio de algumas almas
devotadas da ONG supracitada.
Pois
é. As notícias dos últimos dias dão conta do rebuliço em torno das greves do
sistema de transporte urbano. As cenas mostradas na televisão são aterradoras,
com senhoras idosas e doentes sendo obrigadas a fazer longas caminhadas. O
espetáculo de desgraças se sucede à medida que os repórteres vão mapeando o
problema. Mesmo diante do quadro degradante, as autoridades não conseguem
desenvolver nenhum sentimento de piedade, já que elas andam nos seus carros com
ar-condicionado e motorista particular pago pelos impostos que os desgraçados
espremidos nos ônibus são obrigados a suportar.
Quando
a imprensa internacional faz muito barulho em torno do estado de penúria da
saúde pública brasileira, as autoridades convocam uma reunião de emergência
onde bem acomodados em poltronas superconfortáveis passam a confabular sobre
uma coisa que eles não têm noção nenhuma de como funciona. Afinal de contas,
eles só entraram no hospital público no dia da inauguração. E quando a saúde de
um deles é abalada, de imediato são transportados de jato particular para uma clínica
de referência internacional. Tudo, claro, pago com o suor do trabalho daqueles
que estão morrendo em macas enfileiradas nos corredores dos hospitais públicos.
Estamos
vivendo um pesado clima de apreensão com a proximidade da copa do mundo da
FIFA. Os sinais de convulsão já são sentidos pela população com greves e
manifestações se avolumando num ritmo preocupante. Na semana passada a revista
alemã Der Spiegel afirmou que justamente no país do futebol, a copa do mundo
corre risco de ser um fiasco. A capa da revista mostra a “brazuca”
incandescente caindo no Rio de Janeiro como se fosse um asteroide a destruir a
cidade. A reação de alguns figurões da elite milionária brasileira é de
indignação com um povo mal educado que não percebe a belíssima oportunidade do
país fazer bonito diante do mundo inteiro. Esses figurões não entendem o motivo
de tanta reclamação. Para eles, o pobre tem mesmo é que sofrer. Quem mandou ser
pobre?
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