Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 03/06/2014 - A172
A
recém-empossada diretora financeira contratou de imediato um profissional
contábil capaz de promover uma eficiência sem precedente na empresa; algo que
desse um freio na roubalheira dos outros sócios. O contratado, de fato, era um
brilhante especialista em controle interno, que depois de vários meses de
preparação, enfim, concretizou o sonho da sua diretora. A coisa toda era um
primor de gestão contábil financeira: tudo on-line, tudo amarrado, tudo
evidenciado, todos os processos conectados. Ou seja, tudo perfeito demais na
opinião da chefona. O problema é que ninguém da diretoria pode mais roubar; nem
os sócios larápios, nem também a diretora financeira, que nunca imaginou algo
tão enrijecido, nem também poderia supor que o contratado fosse um homem
incorruptível. Por isso, não adiantava envolvê-lo com mensagens subliminares ou
com jogos de sedução propinolísticas. O jeito então foi aturar o contador
caxias e adotar uma conduta administrativa ética e responsável.
A
complexa estrutura da secretaria de fazenda cumpre diariamente a sua função de
fazer valer a legislação fisco tributária. Cada departamento abriga um grupo de
funcionários capacitados para executar suas atividades técnicas como também para
atender as demandas dos contribuintes. Tudo rigorosamente pautado por diversos
códigos legais. Ou seja, isso pode, aquilo não pode; isso é assim, aquilo é
assado etc. Todo esse formalismo acontece numa faixa, numa banda, num nível
específico e direcionado à massa volumosa de contribuintes, o povão. Depois do
expediente os gabinetes dos mais ilustres funcionários se transformam em pontos
de acolhimento de algumas demandas específicas a merecer atenção especial. Nesses
momentos mais íntimos os rigores deixam de ser tão rigorosos e os assuntos
tratados se transformam em objetos maleáveis ao ponto de se ajustar aos
interesses dos presentes à mesa de reunião. Os problemas surgem quando um ou
vários outros funcionários do órgão passam a discordar e até a combater determinadas
ações antiéticas dos colegas afeitos a práticas censuráveis. Da mesma forma, os
conflitos se tornam frequentes quando normas fiscais abusivas propostas por uma
gerência é combatida por chefes de outras gerências, que teimam em apelar para
o senso de justiça fiscal. Ou seja, por sorte nem todo mundo é farinha do mesmo
saco.
Com
o intuito de conferir eficiência ao processo de controle fisco tributário o
governo criou o monstrengo denominado SPED. Com isso, a movimentação fiscal das
empresas está dentro dos computadores dos fiscos federal e estadual: todas as
notas de compra, de venda; ajustes, apurações; para alguns a movimentação
contábil etc. Ou seja, agora ficou difícil para o auditor fiscal estabelecer
uma relação fisiológica com o contribuinte de modo a construir uma historinha
bonitinha a quatro mãos. No tempo do papel a história válida era aquela escrita
com a tinta dos acordos lesivos ao erário. Agora, o processo foi alçado a um
sofisticado patamar tecnológico, exigindo muito preparo daquele que se
aventurar em manobras fiscais arriscadas. Ou seja, como fazer sumir um pacote
de notas fiscais do sistema se a Receita Federal tem uma cópia de tudo? Como
reconstruir uma EFD já transmitida, considerando seus vínculos com diversas
outras operações? O desenvolvimento de eficientes mecanismos de inteligência
artificial está conferindo ao governo um poder controlador nunca antes
imaginado, que no momento ainda não alcançou voo de cruzeiro devido a fatores
humanos. Quando o processo de controle total se consolidar, até o chefe maior
ficará impedido de ajudar todos os amigos necessitados.
Para
incomodar mais ainda a vida dos sonegadores e corruptos de plantão, a SEFAZ AM
criou nesse ano o seu núcleo de Inteligência Fiscal. Ou seja, o órgão está se preparando
para gerenciar eficazmente a massa de metadados armazenada no repositório do
SPED. Além disso, também está se capacitando para investigar práticas complexas
de sonegação tributária, além de outros delitos. Mas, como dito antes, o fator
humano é o agente crítico do projeto.
O Protocolo ICMS N° 66/2009 dispõe sobre a instituição do
Sistema de Inteligência Fiscal (SIF) e intercâmbio de informações entre as
unidades da Federação, tecnicamente denominadas Unidades de Inteligência Fiscal
dos Estados (UnIF). O projeto é baseado na mútua cooperação técnica e
intercâmbio de informações no interesse das atividades de inteligência fiscal,
tudo pautado numa doutrina orquestrada pela Receita Federal do Brasil. O texto
da lei parece um manual de detetive, o qual trabalha conceitos metafísicos de
interpretação e avaliação de situações complexas, envolvendo elementos
psicológicos e cognitivos. Isso, sem falar na utilização dos mais avançados
recursos de tecnologia da informação. Resumindo, parece que o Fisco está na
vanguarda tecnológica quando o assunto é inteligência fiscal. Na retaguarda
estão as organizações que ano após ano permaneceram inertes enquanto o Fisco
construía sua teia.
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