terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

UM SOPRO DE CIVILIDADE


Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 23/02/2016 - A245

Parece que finalmente estamos deixando as capitanias hereditárias para trás. Mesmo assim, continuamos impregnados com o ranço do carrancismo. De qualquer forma, o nosso medieval e corrupto sistema jurídico recebeu um sopro de civilidade. O Supremo Tribunal Federal decidiu que condenação em segunda instância é suficiente para encarceramento do réu. Noutro importante acontecimento, o Ministro Dias Toffoli foi acometido de um surto de iluminação divina ao declarar inconstitucional a Cláusula Nona do Convênio ICMS 93/2015, que enquadrava as empresas do Simples na obrigatoriedade das ultra burocráticas novas regras de cálculo e recolhimento do diferencial de alíquota, previstas na Emenda Constitucional 87.

Pra se ter uma ideia da maluquice imposta pelos membros do Confaz, uma empresa de comércio eletrônico, por exemplo, é obrigada a cumprir um inacreditável ritual para efetivar uma venda a pessoa física situada em outra unidade da federação. Primeiramente, o valor da venda é subtraído do ICMS interestadual. Em seguida, o resultado é dividido pela alíquota interna do estado de destino menos um. Com isso, a base de cálculo do ICMS é reconstituída pela alíquota de destino, ficando bem maior do que o valor da venda. Sobre essa dita base reconstituída é aplicada a alíquota interna do estado de destino. Passo seguinte, toma-se esse valor e subtrai-se do ICMS interestadual, chegando-se assim ao ICMS diferencial de alíquota (Difal). De posse do valor do Difal, faz-se a partilha: 60% para o estado de origem e 40% para o estado de destino. Daí, acessa-se o site da Sefaz para emissão e pagamento do imposto (40%) através da Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais pelo código 10010-2, a qual, depois de quitada, deve ser anexada à nota fiscal que acompanha o produto. Para se ter segurança da operação, é preciso conhecer os detalhes da legislação do estado de destino. São 27 legislações, que se impressas, dá uma faixa de umas cinquenta mil páginas. Uma bobagem que se lê em mais ou menos 200 anos.......

E não pára por aí. Agora, vem o cálculo da contribuição para o Fundo Estadual de Combate à Pobreza. Primeiramente, o valor da venda é subtraído do ICMS interestadual. Em seguida, o resultado é dividido pela alíquota interna do estado de destino mais o percentual do FECP do estado de destino menos um. Com isso, a base de cálculo do ICMS é reconstituída pela alíquota de destino, ficando maior ainda do que a encontrada na operação anterior. Sobre essa dita base reconstituída é aplicada o tal percentual do FECP, que varia de estado para estado, chegando até 5%. Um detalhe assustador é que o FECP é regulamentado por 47 legislações espalhadas pelo país. E para fazer o cálculo é preciso ler cada uma delas com cuidado, visto que os percentuais são vinculados às especificidades do produto comercializado. De posse do valor do FECP, acessa-se o site da Sefaz para emissão e pagamento do tributo através da GNRE pelo código 10012-9, a qual, depois de quitada, deve ser anexada juntamente com a GNRE do Difal, à nota fiscal que acompanha o produto. Simples assim........

Agora, imagine uma pequena empresa cumprindo todo esse ritual. Por isso tudo é que meio mundo delas quebrou, já agora, em 2016. Culpa da famigerada Cláusula nona, do Convênio 93/2015, que enquadrava as empresas do Simples nessa obrigatoriedade. O Ministro Dias Toffoli, através da Medida Cautelar de Ação Direta de Inconstitucionalidade 5464, argumentou que não existe previsão legal que obrigue as empresas do Simples a cumprir a metodologia de cálculo prevista no referido convênio. O Ministro sustentou ainda que o Convênio 93 invadiu o campo da Lei Complementar 123, incorrendo em patente vício de inconstitucionalidade. Ou seja, um convênio não pode criar aumentar ou aumentar impostos – isso é competência de legislação específica. E no caso do Simples, a Lei Complementar 123 não contempla esse tipo de taxação.

Como é sabido de todos, no Brasil, a lei é feita para os outros. O festival de escândalos jurídicos que pipoca o dia inteiro na mídia confirma essa tese. As grandes mega ultra ações criminosas, são todas arquivadas pelo ministro fulano de tal, pelo procurador sicrano e pelo juiz beltrano. Os grandes e poderosos criminosos são convictos de que, até podem ser processados, mas nunca cumprirão pena no xilindró. Da mesma, forma as administrações tributárias são acostumadas a chutar o traseiro da Carta Magna, não dando mínima importância a ordenamento jurídico ou estado de direito. Os secretários de fazenda sabem muito bem que o regime do coronelismo nunca acabou. Vamos rezar para que a decisão do Ministro Dias Toffoli não seja mais uma encenação teatral pra inglês ver. 



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