Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 8 / 8 / 2017 - A 303
A
Máfia é um tipo de crime organizado não apenas ativo em vários campos ilegais,
mas também com tendências a exercer funções soberanas num território específico
– o ambiente político não escapa dessa influência. Alguns estudiosos veem a
"máfia" como um conjunto de atributos profundamente enraizados na
cultura popular. Muitos sicilianos não consideram os membros dessas
organizações como criminosos, mas como esteios da comunidade, uma vez que
substituem o Estado incapaz de oferecer proteção aos pobres e desvalidos. Em
1925, o ex-primeiro-ministro Vittorio Orlando reportou ao Senado italiano que
se sentia orgulhoso de ser um mafioso, visto que essa palavra significava
honorável, nobre e generoso (Wikipédia).
Em
muitas localidades dominadas pelo crime organizado, a bandidagem toma para si
uma responsabilidade negligenciada pelo Estado. Daí, a revolta de vários
moradores durante as batidas policiais que sobem os morros cariocas. As
pessoas, esquecidas pelo poder público, acabam se apegando a quem lhes oferece
um pouco de cidadania, mesmo que de forma tortuosa. A lógica estabelecida pela
crua realidade define o padrão ético do “mata, mas faz” ou do “trafica, mas
faz”; algo muito semelhante ao paradigma cristalizado no mundo político do “rouba,
mas faz”.
O
deplorável festival de cinismo e descaramento que inocentou o presidente Temer
das acusações de corrupção passiva escancarou para o mundo inteiro as sujas engrenagens
da máquina legislativa, onde impera a prática franciscana do “é dando que se
recebe”. Tudo no parlamento é movido pelo dinheiro. Por isso a predecessora
Dilma Rousseff foi enxotada do palácio do planalto – ela não encampou a prática
fisiologista do seu vice. Ficou claro que “pedalada” é um crime inafiançável,
mas o reality show da mala de dinheiro é fato irrelevante. Tanto, que o
emissário do Temer (autorizado em gravação) já foi inocentado pela Justiça e
agora está livre, leve e solto. A maior piada dos últimos tempos se chama
prisão domiciliar. O bandido pode, tranquilamente, roubar centenas de milhões porque,
no pior dos cenários, ficará “preso” num complexo residencial que mais parece
um resort. Detalhe: tudo construído pelo dinheiro roubado que autoridade
nenhuma se atreve a confiscar.
Muitos
deputados votaram na inocência do senhor Temer sob a alegação de que, mesmo
sendo hipoteticamente corrupto, o presidente está fazendo um bom trabalho. É a
mesma coisa de se afirmar que o chefão do tráfico não deve ser preso porque ele
garante segurança e outros serviços aos cidadãos amparados pela sua gestão
criminosa. Com isso, o pragmatismo assumiu de vez a preponderância sobre qualquer
princípio de honra ou de honestidade. Tudo aquilo de mais tenebroso que se
esbraveja sobre a política foi finalmente sacramentado na votação da semana
passada. Não faltaram palavras duras nem discursos contundentes sobre o
escárnio de engavetar uma grave acusação. Mesmo assim, os asseclas tufados de
verbas parlamentares entoavam em uníssono o apoio ao relatório do deputado Paulo
Abi-Ackel. O Parlamentar André Figueiredo chegou a dizer que “as votações que
estamos tendo aqui estão transformando essa casa num vergonhódromo”.
A
cada dia que passa a nossa política se torna mais cínica e aviltante. Demagogia
e Falso pudor são coisas do passado. Vivemos a era do pós-verdade; um tempo
onde as crenças e os valores duma sociedade são chutados pra escanteio, cedendo
lugar para modelações fabricadas ao sabor das conveniências do poder
estabelecido (político ou econômico). A mensagem que o congresso nacional deixou
na sua histórica e lamentável sessão é a de que temos que engolir a
“normalidade” da corrupção, do tráfico de influência, do fisiologismo, da
impunidade, das malas de dinheiro e de tudo que corrói os valores fundamentais
daqueles que ainda acreditam na honra e na honestidade.
A
coisa está tão “normalizada” que o Advogado Felisberto Córdova esbraveja num
vídeo que o Tribunal de Justiça não é a câmara dos deputados para aceitar a
livre e disseminada negociação de propinas para manipulação de resultados
judiciais. Disse isso na cara do desembargador do TJSC, Eduardo Gallo, a quem
acusou de corrupção.
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