Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 4 / 5 / 2021 - A424
Artigos publicados
Poucas coisas guardam um simbolismo tão emblemático quanto o ovo de galinha. Muita gente associa o ovo com a pobreza ou com dificuldades financeiras; o ovo é o último recurso que sobra quando falta carne, peixe, frango etc. Ou seja, quando o bicho pega pra valer, o pobre corre pro ovo. Inclusive, nesses últimos tempos, e por conta da recorrente elevação do preço da carne, o noticiário vem mostrando o crescente consumo de ovos pela população carente. No supermercado, por exemplo, fica evidente quem é desprovido e quem é abastado, pela ausência ou presença de carne no carrinho de compras. Daí, que o ato de comprar carne virou ostentação.
Pois é. No momento em que o ovo passou a suprir as necessidades proteicas da população de baixa renda, o nosso governador Wilson Lima decretou o aumento de ICMS do ovo: de zero por cento para dezoito por cento. O Decreto 43.182 revogou a isenção prevista no Convênio 44 de 1975. Essa carga tributária acaba sendo bem menor por conta do crédito presumido de 100% concedido aos produtores amazonenses (artigo 2 do Decreto 43.182). Em outras palavras, o produtor destaca 18%, mas é beneficiado com crédito presumido também de 18%. Como resultado, o produtor não paga nada e entrega o crédito de 18% para o comerciante varejista, que, finalmente, acaba pagando 18% sobre a parcela que agrega ao preço de compra. Fiz uma simulação de formação de preço, onde confrontei a operação atual tributada, com a operação isenta vigente até o mês de março. A conclusão é que a carga efetiva do ICMS ficou em 7,90%; e o valor pago pelo consumidor ficou 7,90% mais caro quando comparado ao preço isento de ICMS.
Na minha simulação de preço eu considerei 15% de custo operacional com mais 10% de lucro bruto. Se o produto passar por um atacadista antes de ser comercializado pelo varejista, a carga acumulada do ICMS fica em 10,82% em relação ao preço isento de ICMS. E o valor pago pelo consumidor fica 16,42% mais caro quando comparado ao preço isento de ICMS.
As empresas enquadradas no regime do Simples Nacional não escaparam dessa majoração tributária. A partir de abril, quem está no teto da faixa estadual passou a pagar 3,98% referente ao percentual de repartição do ICMS.
A Sefaz argumenta que a carga é pequena e que a partir do mês de abril o comerciante passou a pagar mais ICMS sobre as vendas de ovos oriundos de fora do Amazonas, uma vez que o crédito dessas operações é bem menor (7% ou 12%). E já que o crédito fornecido pelo produtor amazonense é de 18%, teoricamente, a produção local ganha uma certa dose de proteção. Interessante, é que um funcionário do governo estadual disse que essa taxação é insignificante. O problema é que nem todo mundo ganha R$ 36.219,60 por mês. No orçamento do pobre, qualquer centavo faz diferença.
A despeito das argumentações sefarianas, a taxação do ovo revela uma rotina ultrajante quando observamos que nos EUA a tributação de alimentos é considerada um sacrilégio. Por aqui, em terras tupiniquins, o mais básico dos alimentos é alvo preferencial da tributação. A Sefaz/AM não perdoa nem o pobre maltrapilho que está prestes a morrer de fome. Os impostos sobre alimentos básicos revelam a natureza impiedosa dos agentes fazendários que não respeitam o princípio da essencialidade, por conta duma malandragem embutida no inciso III, do parágrafo 2 do artigo 155 da Constituição Federal, que diz que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade. “Poderá”, indica uma faculdade que ninguém cumpre (perfumaria normativa). Esse é um dos motivos que faz do Amazonas o estado brasileiro que mais tributa a cesta básica. Outro motivo, seria, talvez, porque aqui só tem gente rica.
Os outros estados até desejam seguir o caminho do Amazonas, mas eles não conseguem ser tão cruéis e descarados. Enquanto isso, o nosso governador não se incomoda com problemas sociais ou guarda algum pudor sobre qualquer coisa. Se o governador ver um pobre atravessado na avenida, ele é capaz de passar por cima e depois achar que atropelou um cachorro.
No caso do IPI, a diferença é diametralmente oposta, pela imposição constitucional: o inciso I do parágrafo 3 do artigo 153 diz que o IPI “será” seletivo em função da essencialidade. Por tal motivo, a essencialidade é rigorosamente observada na tributação do IPI.
Fugindo um pouco do assunto, a Sefaz exige IPVA do pobre lascado que tem um carrinho caindo aos pedaços, mas se recusa a cobrar IPVA de jatinhos ou de iates.
Coisas estrambóticas acontecem na seara tributária por falta duma interface com o setor privado. O empresariado por inteiro deveria criar um gigantesco centro de estudos tributários para monitorar e revisar todos os passos do agente público. É estranho, porém, o fato de ninguém se interessar por isso. Talvez, por medo da taxação dos jatinhos, dos iates e dos dividendos. A bagunça normativa sempre beneficia o alto clero. Curta e siga @doutorimposto
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua mensagem será publicada assim que for liberada. Grato.