terça-feira, 28 de junho de 2016

NO PAÍS DAS MARAVILHAS TRIBUTÁRIAS

Reginaldo de Oliveira
Publicado no Jornal do Commercio dia 28 / 6 / 2016 - A257

Depois de um ano economizando os trocados do lanche e o dinheirinho do cinema eis que chega o grande dia. O filho todo ansioso acompanha o pai na gloriosa missão de comprar o tão desejado videogame. Preço: R$ 280,00. Quando o pai chega ao caixa para efetuar o pagamento é impactado pela imagem dum taciturno elemento de olhar congelante postado atrás da funcionária da loja. Como já era conhecedor do esquema, o pai entrega R$ 280,00 para a moça do caixa e logo em seguida retira do bolso mais R$ 720,00 que imediatamente é puxado pelo sujeito mal-encarado. Os compradores voltam felizes para casa, mas ao mesmo tempo refletindo sobre o destino da maior parte do dinheiro gasto na operação. À noite o pai teve um pesadelo. Sonhou com um homem gordo, de olhar esbugalhado comendo e comendo sem parar, morando numa hiper ultra mega mansão cheia de vinte carros, trinta faxineiras, quarenta mordomos, cinquenta motoristas etc. Lá, pelas tantas, um mensageiro adentra a mansão portando um envelope a ser entregue ao gordão. Na sequência, o zoiudo abre o dito envelope, retira o pacotinho de 720 reais e o coloca no bolso. O pai acorda todo suado e gritando ladrão, ladrão, ladrããooooo....!!!

Pela manhã, a esposa preocupada com o rebuliço da noite anterior, pergunta ao marido o motivo de tanta gritaria. Quando ele expressa sua indignação com o imposto pago pelo videogame, ela pede calma e o lembra da compra do carro da família. Para retirar o veículo da loja foi preciso, antes, ir até a secretaria de fazenda para pagar o imposto de R$ 17.600,00. Só com o comprovante desse pagamento foi possível ir pra casa dirigindo após o desembolso de mais R$ 22.400,00 pela efetiva aquisição do carro. Talvez o motivo do pesadelo estivesse na visão do imposto corporificado numa figura humana asquerosa, concluiu a esposa.

Nesse país, os tributos eram pagos dessa forma: Qualquer aquisição obrigava o consumidor a fazer dois pagamentos – um, para o vendedor e outro para o Fiscal do Governo. Ninguém escapava da implacável vigilância. Essa prática draconiana causava certo constrangimento na prestação de alguns serviços. Por exemplo, a garota de programa era obrigada a atender seu cliente sob os olhares pecaminosos do Fiscal, que logo depois embolsava a parte monetária do ato carnal. Nesse caso, o Governo fornecia luvas ao funcionário público e ainda pagava adicional de insalubridade. A presença do agente arrecadador era necessária em cada operação comercial, uma vez que o Fisco não confiava na honestidade do contribuinte. Ou seja, qualquer vacilo e a sonegação era certa.

Nesse país surreal, a taxação sobre consumo era escorchante. O Governo ficava com 57% da gasolina consumida, bebia 46% do refrigerante, confiscava 43% do sabão em pó, embolsava 45% da conta de energia elétrica, surrupiava 60% do fogão micro-ondas, se embriagava com 56% da cerveja, se embelezava com 70% da maquiagem e fumava 90% do cigarro. Em meio a tanto imposto, milagrosamente, o tambaqui escapava do bombardeio tributário. Só que nesse dia, o comprador do videogame ainda atordoado com o pesadelo da noite anterior, pediu para o pescador cortar o peixe em pedaços para facilitar o preparo. Só que, na hora de pagar, lá estava o Fiscal da Sefaz exigindo 5% de ICMS porque o inciso X do parágrafo 5 do artigo 2 diz que a isenção só vale para peixe inteiro e sem vísceras.

O tempo foi passando, o modelo tributário foi cansando e revoltando a população. O problema não era tanto o tamanho da mordida. A reclamação estava na destinação do dinheiro arrecadado. O povo acabou sabendo que o presidente afastado do Congresso consumia meio milhão de reais com mordomias diversas. A população soube também que havia juízes recebendo mais de R$ 100.000,00 de salário, fora algumas indenizações de R$ 300.000,00. Até garçom de senador ganhava o equivalente ao salário de dez professores. Tinha ainda licitação para compra de lagosta e prataria destinadas à sede do Governo no valor de R$ 5.000.000,00. Mas a grande descoberta veio com o desequilíbrio contributivo. Os mais ricos do país não pagavam imposto sobre dividendos. Os conglomerados econômicos eram cheios de desonerações fiscais e a taxação sobre grandes heranças era de 2%, enquanto que na França, 60%.

Para conter o iminente levante da indignação social o Governo aboliu os Fiscais, substituindo-os por um sistema chamado SPED, que tinha a mesma eficiência fiscalizatória. Em seguida, convocou todos os pacientes de hospitais psiquiátricos para reescrever a legislação tributária, de modo que ninguém pudesse entender uma só palavra. Quanto aos impostos, estes foram escondidos dentro das mercadorias. A partir dessa reformulação administrativa o videogame passou a custar R$ 1.000,00 e o carro R$ 40.000,00. Só quem sabia da engenhosa artimanha eram os Contadores, sobre os quais o Fisco cuidou de jogar toda a culpa pela desordem tributária. O pior é que os empresários engoliram a isca, passando a reclamar sempre do Contador e nunca do Governo.


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