Publicado no Jornal do Commercio dia 28 / 6 / 2016 - A257
Depois
de um ano economizando os trocados do lanche e o dinheirinho do cinema eis que chega
o grande dia. O filho todo ansioso acompanha o pai na gloriosa missão de
comprar o tão desejado videogame. Preço: R$ 280,00. Quando o pai chega ao caixa
para efetuar o pagamento é impactado pela imagem dum taciturno elemento de
olhar congelante postado atrás da funcionária da loja. Como já era conhecedor
do esquema, o pai entrega R$ 280,00 para a moça do caixa e logo em seguida
retira do bolso mais R$ 720,00 que imediatamente é puxado pelo sujeito mal-encarado.
Os compradores voltam felizes para casa, mas ao mesmo tempo refletindo sobre o
destino da maior parte do dinheiro gasto na operação. À noite o pai teve um
pesadelo. Sonhou com um homem gordo, de olhar esbugalhado comendo e comendo sem
parar, morando numa hiper ultra mega mansão cheia de vinte carros, trinta
faxineiras, quarenta mordomos, cinquenta motoristas etc. Lá, pelas tantas, um
mensageiro adentra a mansão portando um envelope a ser entregue ao gordão. Na
sequência, o zoiudo abre o dito envelope, retira o pacotinho de 720 reais e o
coloca no bolso. O pai acorda todo suado e gritando ladrão, ladrão,
ladrããooooo....!!!
Pela
manhã, a esposa preocupada com o rebuliço da noite anterior, pergunta ao marido
o motivo de tanta gritaria. Quando ele expressa sua indignação com o imposto
pago pelo videogame, ela pede calma e o lembra da compra do carro da família. Para
retirar o veículo da loja foi preciso, antes, ir até a secretaria de fazenda para
pagar o imposto de R$ 17.600,00. Só com o comprovante desse pagamento foi
possível ir pra casa dirigindo após o desembolso de mais R$ 22.400,00 pela efetiva
aquisição do carro. Talvez o motivo do pesadelo estivesse na visão do imposto
corporificado numa figura humana asquerosa, concluiu a esposa.
Nesse
país, os tributos eram pagos dessa forma: Qualquer aquisição obrigava o
consumidor a fazer dois pagamentos – um, para o vendedor e outro para o Fiscal
do Governo. Ninguém escapava da implacável vigilância. Essa prática draconiana
causava certo constrangimento na prestação de alguns serviços. Por exemplo, a
garota de programa era obrigada a atender seu cliente sob os olhares
pecaminosos do Fiscal, que logo depois embolsava a parte monetária do ato
carnal. Nesse caso, o Governo fornecia luvas ao funcionário público e ainda pagava
adicional de insalubridade. A presença do agente arrecadador era necessária em
cada operação comercial, uma vez que o Fisco não confiava na honestidade do
contribuinte. Ou seja, qualquer vacilo e a sonegação era certa.
Nesse
país surreal, a taxação sobre consumo era escorchante. O Governo ficava com 57%
da gasolina consumida, bebia 46% do refrigerante, confiscava 43% do sabão em
pó, embolsava 45% da conta de energia elétrica, surrupiava 60% do fogão
micro-ondas, se embriagava com 56% da cerveja, se embelezava com 70% da
maquiagem e fumava 90% do cigarro. Em meio a tanto imposto, milagrosamente, o
tambaqui escapava do bombardeio tributário. Só que nesse dia, o comprador do
videogame ainda atordoado com o pesadelo da noite anterior, pediu para o
pescador cortar o peixe em pedaços para facilitar o preparo. Só que, na hora de
pagar, lá estava o Fiscal da Sefaz exigindo 5% de ICMS porque o inciso X do
parágrafo 5 do artigo 2 diz que a isenção só vale para peixe inteiro e sem
vísceras.
O
tempo foi passando, o modelo tributário foi cansando e revoltando a população.
O problema não era tanto o tamanho da mordida. A reclamação estava na
destinação do dinheiro arrecadado. O povo acabou sabendo que o presidente afastado
do Congresso consumia meio milhão de reais com mordomias diversas. A população
soube também que havia juízes recebendo mais de R$ 100.000,00 de salário, fora
algumas indenizações de R$ 300.000,00. Até garçom de senador ganhava o
equivalente ao salário de dez professores. Tinha ainda licitação para compra de
lagosta e prataria destinadas à sede do Governo no valor de R$ 5.000.000,00.
Mas a grande descoberta veio com o desequilíbrio contributivo. Os mais ricos do
país não pagavam imposto sobre dividendos. Os conglomerados econômicos eram
cheios de desonerações fiscais e a taxação sobre grandes heranças era de 2%,
enquanto que na França, 60%.
Para
conter o iminente levante da indignação social o Governo aboliu os Fiscais,
substituindo-os por um sistema chamado SPED, que tinha a mesma eficiência
fiscalizatória. Em seguida, convocou todos os pacientes de hospitais
psiquiátricos para reescrever a legislação tributária, de modo que ninguém
pudesse entender uma só palavra. Quanto aos impostos, estes foram escondidos
dentro das mercadorias. A partir dessa reformulação administrativa o videogame
passou a custar R$ 1.000,00 e o carro R$ 40.000,00. Só quem sabia da engenhosa
artimanha eram os Contadores, sobre os quais o Fisco cuidou de jogar toda a
culpa pela desordem tributária. O pior é que os empresários engoliram a isca,
passando a reclamar sempre do Contador e nunca do Governo.
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